A Família Syenik chegou a Braga em março. Nina e Victor ainda têm esperança de voltar.
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Para Nina e Victor Syenik, Portugal não era um país desconhecido quando, em março deste ano, chegaram a Braga, num autocarro patrocinado pelo Município para acolher refugiados da Ucrânia. Já tinham sido emigrantes, há mais de uma década, e não pensaram noutro país para fugir, quando começaram a ouvir o barulho das primeiras bombas a poucos quilómetros de casa, na região de Kiev.
Dizem que não foi pela sua integridade física que vieram, "porque já [estão] velhinhos", mas antes para salvaguardar a vida do filho, da nora e de cinco netos que trouxeram consigo. Na Ucrânia ficaram, ainda, um filho e um neto, com quem falam todos os dias para aliviar "a dor" que sentem no coração.
"Quando começou a haver problemas em Kiev, saímos todos de casa. Ficámos com medo. Eu não dormia nada", conta Nina, sentada no sofá, ao lado do marido, Victor, que recorda as noites em que dormiam vestidos, "prontos para fugir". A saída deu-se no início de março, depois de contactos com o padre Vasyl, radicado em Braga, que o casal, de 64 anos, já conhecia dos tempos em que esteve emigrado em Portugal.
O sacerdote ortodoxo conseguiu integrar a família toda num dos autocarros que o Município levou à Polónia para acolher refugiados. Chegados à Cidade dos Arcebispos, ficaram uma semana num hotel gratuitamente, até serem instalados num escritório que foi transformado num apartamento, em S. Vicente.
O espaço é de um engenheiro civil - que conheceram através de um amigo português -, de quem a família fala com emoção. "Isto não tinha nada. Ele arranjou casas de banho, cozinha, quartos", refere Nina, confidenciando que apenas pagam o gás. A Cruz Vermelha, a Segurança Social e a Junta vão ajudando com alguns bens essenciais e produtos alimentares.
Para o filho Vladislav, com 43 anos, a adaptação tem sido mais difícil. Por ter uma família numerosa, conseguiu sair da Ucrânia, com cinco dos seis filhos - o mais velho, Arsen, com 20 anos, teve de ficar -, mas sem falar português, teve de abdicar da profissão de dentista e está "a trabalhar nas obras".
Victor, ex-militar reformado, também está a trabalhar com o filho para ajudar nas despesas. Foi o engenheiro civil que lhes cedeu um teto que, também, lhes arranjou emprego. Da parte da Câmara, dizem que "não [sentiram] preocupação" com a família.
"Na Ucrânia, tínhamos uma vida boa. Tinha uma clínica dentária e estava ligado à Igreja", desabafa Vladislav, adiantando que, apesar das dificuldades, não se vê a voltar tão cedo. A mulher, Natalya, prefere que as crianças sejam educadas em Portugal. "Na Ucrânia, muitos edifícios e escolas foram destruídos. A situação é pior do aquilo que vemos na televisão", lamenta a mulher.
"O coração dói, porque não sabemos o que nos espera", acrescenta Nina, ressalvando que as casas da família ainda se mantêm de pé. É lá que espera voltar.
Temem entrada da Bielorrússia na guerra
Os olhos estão avermelhados e, cada vez que fala da situação da Ucrânia, os braços ficam arrepiados. Nina Syenik diz que anda "muito nervosa". "O coração dói", repete algumas vezes. Apesar do bom acolhimento em Portugal, a cabeça está no que a Rússia poderá fazer ao seu país, a partir de amanhã, Dia da Independência da Ucrânia, e nos dias que se seguem. "A nossa cidade fica a 40 quilómetros da Bielorrússia e, a qualquer momento, eles podem entrar na guerra", refere o marido, Victor Syenik. "Meu Deus, não sabemos se vai piorar. Ando com os olhos muito vermelhos e acho que é da tensão alta", lamenta a mulher.