O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, avisou o Governo de que a ronda negocial desta quinta-feira será a "última oportunidade" para se chegar a um acordo. A imposição de serviços mínimos às últimas greves levou os professores a endurecerem o discurso: nas manifestações de Lisboa e do Porto - que ocorreram este sábado, em simultâneo - viram-se alguns cartazes a apelidar o primeiro-ministro de "ditador". Os docentes com quem o JN falou garantiram que não irão desmobilizar.
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Mário Nogueira estimou que tenham estado 40 mil pessoas na manifestação do Porto e outras tantas na de Lisboa. "Quem achava que os professores estavam cansados, estavam fartos ou iam desistir, bem pode agora meter a viola no saco", atirou.
Nogueira apelou a que "todos aqueles que possam" se reúnam frente ao ministério durante a negociação da manhã de quinta-feira, que os sindicatos consideram ser a "última oportunidade" para haver acordo. "Podem crer que não é a mesma coisa negociar com silêncio cá fora ou com as palavras de ordem que se ouvem lá dentro e que incomodam muito o sr. ministro", frisou.
O líder da Fenprof acusou o ministro da Educação, João Costa, de ter "fugido pela porta dos fundos" durante uma visita a uma escola de Faro. "Se quem não deve não teme, o sr. ministo nada tem de temer e tem de entrar pela porta principal. Se não o faz é porque sabe que deve", alegou, lembrando os "muitos anos de serviço" por contabilizar.
"Ditador" e escuteiro
No Porto, o desfile partiu da Praça do Marquês de Pombal, desembocando nos Aliados. À Lusa, pelas 17 horas, um agente da PSP estimou que estivessem cerca de cinco mil pessoas no protesto. Em Lisboa, os manifestantes, saídos do Rossio, encheram a praça em frente ao Parlamento. De lado, nos passeios, um ou outro popular ia aplaudindo o cortejo; quando este chegou à zona da Baixa, muitos turistas, antes mesmo de saberem o que se passava, já tiravam fotografias e filmavam, de telemóvel em riste.
A imposição de serviços mínimos às greves da passada quinta e sexta-feira contribuiu para um endurecer de posições contra o Governo, comparando com manifestações anteriores. A palavra mais repetida voltou a ser "respeito" mas, desta vez, havia alguns cartazes a descrever o primeiro-ministro como "ditador". Em Lisboa, numa faixa que tinha pintadas as caras de António Costa e João Costa (ambos com corpo de pato Donald), lia-se: "Disponíveis para negociar! Palavra de escuteiro aldrabim". O ministro da Educação, recorde-se, é escuteiro.
Uma das manifestantes a segurar um cartaz apelidando o chefe do Governo de "ditador" era Idália Caeiro, professora de Música em Moura, Alentejo. Garantindo não ter escolhido a palavra de modo irrefletido - disse ter pensado "alguns dias" no que iria escrever -, explicou, ao JN, que a questão dos serviços mínimos é uma linha vermelha: "Tirar-nos o direito à greve é, descaradamente, abrir o caminho ao fascismo".
Embora reconheça que o diferendo com o ministério da Educação já se arrasta há algum tempo, Idália recusa parar. "É verdade que o braço de ferro é muito grande, o Governo está inflexível. Mas não quero acreditar que a classe vá desistir. Temos de lutar", afirmou.
"O meu filho só via o pai de 15 em 15 dias"
Paulo Redondo, professor de Português do ensino especial, em Silves, também não foi brando com o Executivo. Empunhando um cartaz onde se lê "Progressão? Esquece... Não tens cartão do PS", criticou o facto de os governantes pedirem "demasiados sacrifícios só a alguns". Tem participado em todos os protestos que consegue e garante que "a luta está para continuar".
Paulo foi a Lisboa acompanhado dos filhos, de 10 e 20 anos, e da mulher, Helena - também professora -, de 49. Diz que os próprios filhos "são o resultado da nossa situação profissional": têm uma década de diferença de idades porque, durante mais de dez anos, Helena deu aulas na Covilhã e o marido no Algarve. "Costumo dizer que, apesar de ser casada, fui mãe solteira. O meu filho só via o pai de 15 em 15 dias ou de três em três semanas", referiu a docente.
Sandra Cardoso, de 50 anos, dá aulas de Português e Inglês em Alverca. Traz um chapéu-de-chuva, que serve de referência para marcar o ponto de encontro com os restantes colegas, e no qual está escrito "Não paramos". E é precisamente isso que reitera, ao JN: ""Estamos dispostos a continuar a lutar, doa a quem doer. E vai pesar muito nos nossos orçamentos", acrescenta, lembrando que os professores sentem no bolso os efeitos de fazerem greve e de se deslocarem aos protestos.
Na manifestação de Lisboa estiveram representantes de PCP, BE e Chega, que insistiram na justeza das reivindicações. Na do Porto, juntou-se o líder do CDS, Nuno Melo. Na manifestação da capital, um membro da organização, ao ver o deputado Pedro Pessanha, do Chega, a poucos metros do palco, dirigiu-se ao microfone e atirou, em tom de ironia: "Já agora, senhores deputados: quando for para votar a recuperação do tempo de serviço, não há abstenções nem votos contra...! É tudo a favor".