Processo arrancou em janeiro e desde então a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional apenas discutiu 17% das 393 alterações propostas por oito partidos para mexer em 193 artigos. E ainda deverão ser efetuadas várias audições.
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O processo de revisão constitucional aberto em outubro pelo Chega deverá demorar um ano a estar concluído. A comissão eventual, que tomou posse a 4 de janeiro, ainda só discutiu 17% das propostas de alteração a 193 artigos que os oito partidos com assento parlamentar pretendem mudar. Depois, é expectável que sejam feitas audições. "Se for concluído antes das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, já será muito bom", considera o presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, José Silvano.
O trabalho da comissão é gigante. "Só para a leitura dos projetos de alteração são precisos uns três meses", destaca José Silvano que, a 17 de janeiro passado, substituiu o colega social-democrata Pinto Moreira na presidência da comissão, após ter suspendido o mandato.
Para se compreender melhor a dimensão da tarefa, José Silvano especifica: "Foram apresentados oito projetos de revisão constitucional, visando mexer em 193 artigos da Constituição. No total, foram apresentadas 393 alterações", nesta que é a oitava revisão da Lei Fundamental.
PSD, o mais ambicioso
Os partidos apresentaram propostas de alteração que visam 65% do total de artigos da Lei Fundamental, que são 296, além do Preâmbulo.
O PSD foi o partido que avançou com uma proposta mais alargada, propondo-se alterar 71 artigos e acrescentar cinco novos. O PCP quer mexer em 68, o Chega em 63 pontos da Constituição e o BE em 40, sugerindo dois artigos novos. Já a IL apresentou alterações a 35 e dois aditamentos; o PAN quer mudar 23 artigos e o Livre 20, acrescentando dois novos. O projeto do PS é o mais minimalista, com duas dezenas de propostas de alteração e um aditamento.
Há 14 artigos com propostas de alteração do PS e do PSD. Em causa matérias como a obrigatoriedade de confinamento em caso de doença infecciosa grave e o acesso aos metadados pelos serviços de informação.
Depois de um dia dedicado à leitura dos oito projetos, a Comissão passou à fase de debate das propostas de alteração artigo a artigo. "Vamos no artigo 33", revela, ao JN, José Silvano.
Mas ainda há mais etapas a "queimar". O presidente da comissão conta que haverá pedidos de audições, antes da votação indiciária, em que a votação de cada uma das propostas permite chegar-se a um texto comum que será levado a plenário para votação final global. "Há matérias que justificam que sejam feitas audições, pelo seu caráter inovador, como a dos metadados, da segurança sanitária, da criminalização dos maus-tratos a animais e o combate às alterações climáticas", diz.
Todo esse trabalho será feito "independentemente do tempo que possa demorar". "Todos os partidos concordaram que, mais do que andar depressa, interessa discutir os assuntos aprofundadamente. As alterações que saiam desta revisão constitucional têm que ter qualidade", deixa claro o presidente da Comissão, que estima que a oitava revisão da Constituição se prolongue por um ano.
O que os partidos querem mudar?
Segurança sanitária
PS e PSD querem alterar o artigo que elenca as situações em que é permitida a privação de liberdade dos cidadãos, somando-lhe a possibilidade de internamento ou confinamento por razões de saúde pública: decretados pela autoridade de saúde, com "garantia de recurso urgente à autoridade judicial" (PS) ou "decretado ou confirmado por autoridade judicial" (PSD).
Metadados
O PS quer permitir o "acesso, mediante autorização judicial, pelos serviços de informações, a dados de base, de tráfego e de localização de equipamento, bem como a sua conservação". O que será permitido para "salvaguarda da defesa nacional", "prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada". O PSD pretende "autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo judiciais".
Saúde
Há um artigo em que todos os partidos, à exceção do Livre, se propõem mexer: o artigo 64, dedicado à Saúde. Há uma mudança que é praticamente certa: onde a Constituição institui que "incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação", todas as propostas acrescentam a medicina paliativa e algumas a medicina reprodutiva e a saúde mental.
Ambiente
Outro artigo que quase recolhe o pleno (exceto a IL) é o 66º, dedicado ao ambiente e qualidade de vida. PS, Chega, Livre e PAN querem que se consagre o desenvolvimento sustentável ou o combate às alterações climáticas como uma das tarefas fundamentais do Estado. O PSD quer inscrever a necessidade de uma política fiscal orientada para a economia circular e de baixo carbono. O BE propõe que o Estado desenvolva uma economia neutra em carbono.
Círculos eleitorais
Há outro ponto que faz o pleno... na oposição. É o 149.º que define os círculos eleitorais. O PSD propõe que o número de deputados eleitos por cada círculo plurinominal deve ter em conta a "representação equilibrada de todo o território". Chega e Livre querem prever um círculo nacional de compensação. IL, PCP, BE e PAN retiram a consagração constitucional do método de Hondt, sendo que comunistas e bloquistas retiram também os círculos uninominais, introduzidos em 1997. Mas o facto de o PS ser alheio ao tema dá um sinal do destino mais provável destas propostas: o chumbo.
Maus-tratos animais
O PAN quer que a proteção animal passe a ser uma tarefa fundamental do Estado. PS e BE propõem que a Constituição preveja a garantia do bem-estar animal, com o BE a defender a criação de um novo artigo. O Chega quer introduzir nas incumbências do Estado a necessidade de proteger fauna e flora.
Habitação
O PS defende que o Estado deve estabelecer as suas bases e que a habitação económica e social tem de ter uma "atribuição transparente e em condições de igualdade". O BE quer que o Estado fique incumbido de estimular o acesso à habitação própria ou arrendada por "preços não especulativos". E o PCP propõe "garantias especiais relativas à proteção da casa de morada de família". O Livre sugere que se determine o direito a habitar em "condições de salubridade, segurança, qualidade arquitetónica, urbanística e ambiental". Já o PSD quer incluir a necessidade de estimular a oferta privada e cooperativa de habitação própria e arrendada e a IL defende que o Estado deve encorajar a construção privada e, quando necessário, "promover a construção de habitações económicas e sociais". O Chega propõe que Estado e autarquias passem a ter "controlo efetivo do parque imobiliário".