Para quem opta pelas duas rodas como transporte preferencial, pedalar com chuva e frio não é motivo para desistir e há até quem diga que no verão é pior por causa do calor. A Póvoa de Varzim inaugurou mais 27 quilómetros de ciclovias e é um dos mais recentes exemplos de aposta na mobilidade suave.
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Pedalar no inverno? Porque não? Quem há muito trocou as quatro pelas duas rodas nas deslocações do dia a dia diz que é possível e até "menos desconfortável do que no verão". A olho nu, parecem cada vez mais os que usam a bicicleta. Mas faltam dados e a verdade é que serão sempre muito poucos, quando nos comparamos com alguns países da Europa. Quem ainda não se "converteu", aponta a segurança como o principal motivo. E, num caminho que se faz caminhando - ou, neste caso, pedalando -, são cada vez mais as cidades a apostar nas ciclovias. Um dos últimos exemplos vem da Póvoa de Varzim, que concluiu recentemente mais 27 quilómetros de pistas. E, por ali, são, agora, mais os adeptos, a provar que, como diz a Mubi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, "haja condições e as bicicletas aparecem".
"Está melhor. Já há mais ciclovias, mais gente a andar, mas ainda continuam a empurrar-nos muito para fora da cidade. No centro, quase não há ciclovias", atira Isabel Campos, professora de Educação Física, na cidade poveira, que há muito que trocou o carro pelas duas rodas nos pequenos trajetos, reconhecendo as dificuldades, apesar do esforço feito na pedonalização, o que, diz, "já é um primeiro passo".
À ciclovia da marginal - a mais antiga -, juntaram-se, agora, a que liga o mar ao parque da cidade (1,8 quilómetros), a da Via B, que liga a Póvoa a Vila do Conde (3,5 quilómetros), as ligações das escolas à marginal (2,7 quilómetros) e de Penalves ao metro (1,3 quilómetros) e a ecopista Póvoa-Famalicão, que atravessa o concelho pelo antigo canal da linha férrea (18 quilómetros). Contas feitas, foram três milhões de euros de investimento.
Em cima da bicicleta, compras no cestinho à frente, Isabel acaba de sair do hipermercado, na Avenida 25 de Abril, na Póvoa de Varzim. Já deu a volta à cidade. Agora, uma paragem em casa e segue para o trabalho, em Aver-o-Mar. "De bicicleta, pois claro!".
Faz bem ao corpo e à alma
Do outro lado da cidade, Beatriz e Willy pedalam marginal fora. É assim quase todos os dias. O casal francês escolheu, há quatro anos, a Póvoa para morar. "É uma cidade plana, excelente para andar de bicicleta", diz ele.
Isabel garante que "faz bem ao corpo e à alma" e a chuva não lhe tira a vontade. "É tudo uma questão de preparação", diz João Brandão, da Mubi Porto. O diretor de fotografia, de 28 anos, faz, diariamente, o percurso entre Gaia e o Porto de bicicleta há um ano e meio.
"Tenho sempre roupa impermeável e uma muda nos alforges para trocar. Além disso, a andar de bicicleta aquecemos bastante e até sentimos menos o frio. Para mim, é mais incomodativo no verão porque, com o calor, transpiramos mais", explica.
Ainda assim, admite que, quando o inverno espreita, "há quem desista", mas aproveita para deixar o exemplo dos "Países Baixos, onde chove imenso" ou "a Finlândia e a Dinamarca, que neva e nem por isso as pessoas deixam de pedalar".
E, a bem da verdade, explica, "em Portugal, contam-se pelos dedos das mãos os dias mesmo muito chuvosos".
Hoje em dia, João não troca por nada "o alívio mental" que sente ao início e ao fim do dia. Além disso, de mais de 40 minutos de viagem, passou para 20 e a boa notícia é que, com muito ou pouco trânsito, não "stressa" e chega "sempre a horas". O ambiente agradece e, com menos carros, as cidades seriam "tão menos barulhentas e confusas".
Durante o confinamento, em março, as pessoas viram a diferença de uma cidade sem carros e isso pôs muita gente a pensar
Há um ano e meio, diz João, os ciclistas eram "tão poucos", que "se cumprimentavam à passagem, mesmo sem se conhecerem". Hoje, o retrato é outro e a pandemia trouxe mais gente. "Durante o confinamento, em março, as pessoas viram a diferença de uma cidade sem carros e isso pôs muita gente a pensar. Hoje, não há um dia em que não me cruze com dezenas de pessoas de bicicleta", frisa.
Mas é só "uma sensação". A verdade é que faltam números. "O que se nota empiricamente é que há mais bicicletas nas cidades, mas não há dados ou os que há são já antigos", explica o presidente da Mubi, Rui Igreja. Ainda assim, frisa, são suficientes para perceber que "há ainda muito a fazer".
Em 2011, segundo os Censos, apenas 0,5% das deslocações em Portugal eram feitas de bicicleta. Em Copenhaga (Dinamarca) são 62% e em Amesterdão (Países Baixos) 58% da população que pedala diariamente. Em 2017, o Inquérito à Mobilidade nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não trouxe números mais animadores: 0,4% das viagens no Porto, 0,5% em Lisboa. Já o carro é usado para 67,6% das viagens no Porto e 58,9% em Lisboa.
Até 2030, a ideia é ter a bicicleta usada em 7,5% das deslocações (a média europeia). A meta está definida na Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa. Os dois mil quilómetros de ciclovia devem crescer para dez mil.