O homem que viveu "sempre para as pessoas" e para a sua "terra" partiu, este domingo, a nove dias de completar 92 anos. Apesar das suas origens humildes, Rui Nabeiro, que começou a trabalhar aos 12 anos, construiu um império a pensar em ajudar a sua família e acabou por atingir a liderança no mundo dos cafés, empregando quatro mil pessoas. Mas o seu maior feito, disse-o vezes sem conta, foi o seu casamento.
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Manuel Rui Azinhais Nabeiro era muito mais do que um empresário dono de um império, que chegou a comendador. Era frequentemente uma fonte de inspiração, pelo seu humanismo e bondade. Durante a pandemia, marcou a diferença, ao recusar ajudas do Estado e mandar para lay-off os seus quatro mil funcionários. "Pagamos do nosso bolso", disse-o, na altura o fundador da Delta Cafés, que fazia questão de pagar seguro de saúde a todos os seus funcionários. "Quanto mais riqueza houver no mundo das empresas, mais felicidade no trabalho", justificou.
Nascido a 28 de março de 1931 em Campo Maior, o terceiro de quatro irmãos começou a trabalhar aos 12 anos para ajudar a sua família de origens humildes. Ajudava a mãe numa pequena mercearia e, ao mesmo tempo, o pai e os tios na torra do café. Mas Rui Nabeiro tinha um sonho. "Sonhava em dar estabilidade à minha mãezinha. O filho que estava focado para a vida era eu e estava sempre disponível", revelou, numa entrevista ao programa Alta Definição.
"Entregava todo o dinheiro que ganhava à minha mãe. Como tinha de me levantar às 4 horas, não tinha tempo para grandes paródias e para gastar dinheiro", acrescentou o homem que estava a nove dias de fazer 92 anos e ainda presidia ao Conselho de Administração da Delta Cafés, apesar de as rédeas do grupo já estarem a ser asseguradas pelo seu neto Rui Miguel Nabeiro.
Numa outra entrevista, reforçou: "Quem nasce numa terra no Alentejo onde só havia lavoura, em que os meus pais eram filhos de gente humilde, a vida sempre difícil, eu só pensava como poderia ajudar os meus pais. Numa terra pobre como a nossa, é preciso alguém cair na graça dos amigos, das pessoas que me querem conhecer. Jogo muito nessa lotaria, sem nunca perder demasiado, pois no final o saldo é sempre positivo".
Aos 19 anos, o defensor do "capitalismo solidário" assumiu os destinos da pequena torrefação familiar, após a morte do pai. E, para fazer crescer a empresa, incentivou a venda de café em Espanha, constituindo depois, em sociedade com os seus tios, a Torrefação Camelo.
Em 1961, Rui Nabeiro criou a Delta Cafés e, passados poucos meses, a marca já era distribuída em todo o país, abrindo um entreposto comercial em Lisboa, em 1963 e outro no Porto, em 1964. "O espírito empreendedor e a forte ética de trabalho estiveram sempre presentes nos momentos decisivos da sua vida", chegou a vincar o grupo que atualmente emprega quatro mil pessoas.
Foi, "com uma visão futurista, provida de ambição", que Rui Nabeiro fundou a Novadelta em 1982 e, dois anos mais tarde, criou a maior fábrica de torrefação da Península Ibérica. O grupo Nabeiro - Delta Cafés nasceu em 1988, inspirado no ambiente familiar do seu fundador.
A Delta Cafés é a principal empregadora de Campo Maior. Só na fábrica de torrefação do café, na Herdade das Argamassas, trabalham cerca de 1.500 pessoas (em alguns casos, famílias inteiras), ou seja, mais de um terço da população ativa do concelho. Um número que engrossa se contarmos com os empregos indiretos gerados pelo negócio do café e com as duas dezenas de empresas do grupo Nabeiro, que atuam em setores como o comércio, os serviços, a hotelaria e a distribuição.
"É como se vive em casa, como se vive na nossa intimidade familiar, marido, mulher e filhos. É por essa união, pela estabilidade que via isso em casa dos meus pais, onde também há discussão para o progresso", chegou a descrever Rui Nabeiro, explicando ainda: "Todos os clientes são amigos, mesmo os que não pagavam, pois quem não pagava também faz publicidade. O dinheiro ganha-se de mão aberta".
Defensor da poupança, Rui Nabeiro vivia na mesma casa há mais de 40 anos e usava, no seu dia-a-dia, um carro com 16 anos. Era descrito como um "homem bom", "para quem o bem dos outros é o seu próprio bem". Sempre afável e com um sorriso aberto. "Eu tive a felicidade de todos gostarem de mim. Mas tonto não sou, nem nunca fui! Investia mesmo sabendo que ia perder, mas investia para ganhar", revelou numa das muitas entrevistas que deu.
Mas Rui Nabeiro não se dedicou apenas aos negócios. A política também fez parte da sua vida. Antes do 25 de Abril de 1974, e por duas vezes, Rui Nabeiro foi nomeado presidente da Câmara Municipal de Campo Maior: 1962 e 1972. Voltaria a exercer o cargo em 1977, mas já por sufrágio universal, tendo sido reeleito duas vezes e mantendo-se no cargo até 1986.
Também deu prioridade à educação. Em 2007 inaugurou o Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades extraescolares das crianças de Campo Maior. Com o patrocínio da Delta, a Universidade de Évora criou, em 2009, a Cátedra Rui Nabeiro, destinada à promoção da investigação, do ensino e da divulgação científica na área da biodiversidade.
A 9 de junho de 1995, o falecido presidente da República, Mário Soares, atribuiu a Rui Nabeiro o grau de comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial Classe Industrial. A 5 de janeiro de 2006, outro falecido chefe de Estado, Jorge Sampaio, distinguiu-o como comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Foi também distinguido pela Universidade de Évora e pela Universidade de Coimbra com um Doutoramento Honoris Causa. E, das mãos do ex-presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, recebeu a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa.
Mas, para Rui Nabeiro, nada disso foi o seu maior feito. Por várias vezes, o empresário alentejano disse-o, sem hesitar, que foi ter casado com a sua mulher, Alice, ao fim de dez anos de namoro. "Vivo sempre para as pessoas, vivo sempre para a minha terra, vivo sempre para qualquer região do nosso país", sintetizou Rui Nabeiro, numa das mais recentes campanhas eleitorais.