A Iniciativa Liberal está comprometida com o PSD, mas o cenário de uma coligação pré-eleitoral está fora do radar. Até porque alternativa não rima com alternância e Rui Rocha rejeita "tirar senhas para o poder". António Costa é o principal visado no discurso crítico sobre a degradação das instituições, mas também para Marcelo Rebelo de Sousa sobra o recado: não cabe ao chefe de Estado pronunciar-se sobre a Oposição, mas antes sobre as condições de governabilidade.
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Disse esta semana no Parlamento que este é "um Governo de garotos". Foi uma expressão saída no calor do momento ou hoje voltaria a repeti-la?
Voltaria a repeti-la. Aliás, a expressão não é original minha, António Barreto usou-a ao longo dos últimos dias para designar este Governo. Penso que infelizmente é uma designação adequada. Isso surgiu na sequência de uma acusação que o primeiro-ministro fez, ele sim, um bocadinho já fora de tom, de que a Iniciativa Liberal, pelas perguntas que estava a fazer, estava a pôr em causa a fiabilidade dos serviços de informações. Quem tem posto em causa a fiabilidade dos serviços de informações é António Costa e o seu Governo, nomeadamente o ministro João Galamba, que já apresentou três ou quatro versões diferentes dos factos da noite de 26 de abril, já envolveu vários ministros....
Deduzo que não está nada esclarecido em relação ao papel do Governo na atuação dos serviços secretos.
Nem estou eu, e penso que os portugueses também não. Esse é um ponto muito relevante. Estamos a falar de questões que dizem respeito ao coração da democracia. O Governo demonstra que não está interessado no esclarecimento do que aconteceu naquela noite, porque tivemos sucessivos chumbos de requerimentos que têm sido feitos nos últimos dias para ouvir pessoas que seriam importantes. A Iniciativa liberal apresentou um requerimento para ouvir Mendonça Mendes na primeira comissão. Chumbado. Houve um requerimento para ter acesso às notas de Frederico Pinheiro. Chumbado. Houve um requerimento para ter acesso às comunicações de António Costa, de João Galamba e de Mendonça Mendes. Chumbado. Outro no sentido de ter o depoimento do primeiro-ministro na comissão de inquérito da TAP. Chumbado. E pergunta-se, perante tudo isto, o que é que o PS, o Governo, sobretudo António Costa, estão a esconder aqui, porque não é um comportamento normal.
A IL acusa o Governo e o primeiro-ministro de usar os serviços secretos como se fossem a polícia política do Estado?
Não, neste momento é uma questão de esclarecimento. O primeiro-ministro diz que os serviços de informações atuaram dentro da legalidade. Muitos especialistas apontam para uma situação em que não encontram enquadramento legal. Diria que há algumas certezas de que esta intervenção naquela noite poderá ter sido desproporcionada e com falta de enquadramento legal e depois há sobretudo uma tentativa de encobrimento por parte do Governo. E isso é que levanta as dúvidas. Pela minha parte quero crer que os serviços de informações cumprem em geral a sua missão e que não estão ao serviço do poder político, mas tenho muitas dúvidas que naquela noite tenham atuado dentro do seu âmbito.
O comportamento do Governo justifica a agressividade a que temos assistido no espaço público? A Oposição também está a contribuir para esta degradação?
Não, de todo. O que nós temos é uma atuação do Governo de encobrimento, de falta de transparência, e obviamente para contrapor a essa falta de transparência é necessário muitas vezes fazer perguntas mais diretas. Porque é que são necessárias as comissões de inquérito? Porque é que é necessário todo este esclarecimento? O Governo foi incapaz de, no primeiro dia, no segundo dia, apresentar uma versão dos factos ocorridos clara, transparente. É o Governo que está a provocar este enquistamento das questões. Não se pode pedir a uma Oposição que fique tranquilamente à espera de uma justificação e de um esclarecimento que nunca vão chegar. António Costa é um dos principais contribuidores para a degradação das instituições e do espaço político.
Como é que a Iniciativa Liberal interpretou os recados do ex-presidente Cavaco Silva?
Do ponto de vista de diagnóstico, a Iniciativa Liberal já há muito tempo que vem alertando para a degradação dos serviços públicos, as questões da saúde, da educação. O presidente da República, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, teve aqui em algum momento um erro de análise, em que falou que a alternativa ainda não estava construída. Quando o fez, colocou-se, sobretudo, numa posição de comentador, porque não cabe ao presidente da República pronunciar-se sobre a Oposição. O que lhe cabe é fazer um juízo sobre as condições de governabilidade. Houve ali algum momento em que o presidente da República devia ter sido mais exigente com o Governo e não o fez e transpôs essa exigência para a Oposição. E isso foi um erro de apreciação. A democracia é o espaço onde não há nunca falta de alternativa. A alternativa constrói-se democraticamente. No que diz respeito ao papel de cada partido da Oposição, nós não estamos nada preocupados com essas apreciações sobre quem lidera e quem não lidera.
Depois do almoço com o líder do PSD, referiu-se ao "compromisso" entre os dois partidos. Sente, como disse esta semana Luís Montenegro, que a vossa vez está a chegar?
Ah, não, eu não faço esse tipo de apreciação, porque isso é próprio das questões da alternância, não da alternativa. A Iniciativa Liberal não tira senhas para o poder. A IL constrói as suas propostas e apresenta-as. Essa é uma visão de alternância, não achamos que funciona assim. Funciona se, e isso diz respeito à IL, formos capazes de apresentar aos portugueses uma alternativa concreta e é nisso que estamos empenhados. Esse não é o jogo que a IL joga no tabuleiro político.
O que significa a linha aberta que disse haver para avaliar futuros cenários? Podemos estar a falar de uma coligação pré-eleitoral?
Não, isso também ficou muito claro nesse almoço. A Iniciativa Liberal apresenta-se sempre a eleições legislativas com listas próprias, com as suas propostas, com os seus objetivos e com os seus candidatos. Fui eleito para a comissão executiva da IL em janeiro de 23, portanto há poucos meses, e a moção de estratégia que apresentámos diz precisamente isso.
Mas às vezes os cenários podem mudar as estratégias.
Mas neste caso não há nenhuma hipótese de isso acontecer. Não há qualquer possibilidade de uma coligação pré-eleitoral, isso está completamente fora de causa.
O afastamento do Chega exclui qualquer aliança de incidência parlamentar, definitivamente?
Não posso ser mais claro do que tenho sido. A IL não participará em nenhum cenário que envolva de forma direta ou indireta partidos populistas.
Entre as prioridades para a construção dessa alternativa à Direita, a IL tem apontado temas como a redução dos impostos ou o acesso à saúde. Há convergência com o PSD em matéria fiscal?
Essa conversa não fez parte deste almoço. Agora, posso dizer que a IL não participa nunca em nenhuma solução em que as questões fiscais não estejam asseguradas e não haja uma redução da carga fiscal. Em 2022 batemos mais um recorde com 36,4% de carga fiscal. É uma enormidade face às condições do país.
O crescimento da economia pode ser um dos principais trunfos políticos do Governo nos próximos meses?
Os dados, nas últimas semanas, são melhores do que a expectativa, mas se olharmos para o crescimento já previsto para 2024, 2025, são sempre crescimentos medíocres, que não impedem que Portugal continue a ser ultrapassado. Vamos ser ultrapassados pela Roménia, continuamos a ter uma emigração permanente, sobretudo dos jovens, continuamos a ter o despovoamento do Interior, continuamos a ter a perda do poder de compra. António Costa está no poder há oito anos e continuamos a ter sistematicamente perto de dois milhões de pobres, mesmo depois de transferências sociais. Cada ano que passa é um ano perdido, porque António Costa é incapaz de reformar o país.
A desvinculação de militantes e a saída de Carla Castro da vice-presidência da bancada transmitiram uma imagem de desalinhamento e ouvimos mesmo afirmar que só ficam os "yes men". Há problemas no diálogo interno?
Obviamente gostaria mais que houvesse só entradas, que não houvesse saídas, mas também devo dizer que houve um grupo de pessoas, cerca de 13, 14 que saíram num determinado momento. Ora bem, 13 ou 14 pessoas foi aquilo que já saiu do Governo de António Costa desde há um ano e pouco e aí tem consequências graves para o país, de turbulência, de crise política, etc. No que diz respeito à IL, estamos a fazer o nosso caminho. Tem havido uma clara adesão às ideias da IL, tem havido muitas pessoas que se têm juntado.
Falou nos números de saídas, quer falar dos números de entradas?
Não tenho aqui os números absolutamente presentes, mas posso dizer que por cada pessoa que saiu seguramente entraram umas dezenas, desde janeiro. O partido está a crescer, tem mais núcleos e tem continuado a sua expansão territorial por Portugal. O partido é fiel àquilo que são as suas proclamações iniciais, aos seus manifestos, os seus programas eleitorais, que defendem liberalismo em toda a linha, coisa que eu, enfim, formulo como liberdade de ser, liberdade de exprimir, liberdade de pensar, liberdade económica, liberdade social e liberdade política.
A Iniciativa Liberal reconheceu responsabilidades pelo convite do youtuber que recentemente insultou o primeiro-ministro no Parlamento. Admite que esse episódio contribuiu para degradar a imagem das instituições, algo que tanto tem criticado?
Assumimos a nossa responsabilidade relativamente a esse episódio. Aquilo que fizemos tinha um objetivo que acho que é desejável, aproximar os jovens da política. Somos responsáveis pelo convite, não somos responsáveis pelo conteúdo e não nos revemos nesse conteúdo. No momento certo, no próprio dia, apresentámos no Parlamento a assunção das nossas responsabilidades. Os erros cometem-se e aquilo que depois contribui para que as instituições não se degradem é que quem protagoniza erros os reconheça no momento certo, de forma clara.
Quem vive pelas redes pode acabar por morrer pelas redes? A IL cresce muito nesse campo, mas as redes sociais têm este lado mais perverso de contribuírem para uma falta de reflexão, para a agressividade, para uma visão que não é propriamente de debate em torno da vida política?
As redes sociais têm muitas coisas boas e têm algumas coisas menos boas. Eu acho que as coisas boas superam muito aquilo que são os problemas, às vezes, de comentários inapropriados, de tons exaltados, de excesso de polarização. As redes sociais vieram trazer um novo fórum de debate, que estava muito comprometido. A Iniciativa Liberal já teve até iniciativas legislativas e no Parlamento relativamente a este tema, a tentação nunca pode ser de limitar o discurso. O objetivo tem sempre de ser que o discurso seja livre e, obviamente, depois as entidades e as instituições têm de assumir as suas responsabilidades. O contributo da IL nas redes sociais é, globalmente, muito positivo para a democracia portuguesa, questionando o que deve ser questionado, interagindo com assertividade, com humor.
Não lhe parece que houve neste caso com o youtuber um tiro no pé?
Se não considerássemos que alguma coisa correu mal, não teríamos assumido as nossas responsabilidades. Esse é o desafio que deixo a outros partidos, nomeadamente ao Governo e ao PS, que quando as coisas corram mal assumam as suas responsabilidades. Ainda há uns dias Eurico Brilhante Dias disse que tinha havido uma fuga de informação na CPI da TAP e que isso era responsabilidade dos partidos da Direita. Não há nada que aponte nesse sentido e há, pelo contrário, uma evidência, de acordo com o relatório, de que essa fuga da informação não partiu da Assembleia da República. Onde é que estão as desculpas de Eurico Brilhante Dias? Estão no final de um discurso, muito a custo, em que aproveita ainda assim para atacar outros partidos. Isso, sim, é degradar as instituições e é degradar a democracia.
Os protestos de rua são habitualmente de Esquerda, mas os movimentos inorgânicos têm mudado esta realidade ao longo dos últimos anos. De que forma é que a IL está a trabalhar com os setores públicos mais descontentes?
Para além daquilo que são as bandeiras fundamentais da IL, queremos estar nas discussões fundamentais para problemas concretos dos portugueses, a habitação, os transportes, as questões do Interior, e isso fazemo-lo por duas formas. Com mais núcleos em todo o território. Há um projeto de expansão da presença da Iniciativa Liberal no território que está a ser cumprido. E, depois, com essa presença que eu próprio tenho tido, e o partido tem, nestes debates, nestes temas, apresentando soluções concretas para problemas concretos dos portugueses. A nossa visão é essa, proximidade aos portugueses, proximidade aos seus problemas. É a nossa estratégia e continuaremos a executá-la.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF