Descontentes com os cortes dos apoios da Política Agrícola Comum (PAC), os agricultores portugueses convocaram uma onda de protestos nas estradas de norte a sul do país, seguindo a contestação que se faz sentir um pouco por toda a Europa. Saiba o que está em causa nestas manifestações.
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Quais as razões dos protestos?
O setor agrícola atravessa um período particularmente difícil devido ao impacto provocado pela seca na produção nos últimos anos. Queixando-se de falta de apoios para fazer face ao aumento de custos da produção e à concorrência de alimentos mais baratos importados, os agricultores exigem mais apoios para poder garantir uma alimentação adequada, condições justas e a valorização da atividade.
Em Portugal, os agricultores contestam os baixos rendimentos e as condições do setor, argumentando que não estão a ser apoiados como acordado para cumprir as regras de proteção ambiental e mais sustentável.
Os agricultores que adaptaram as suas culturas para uma produção biológica e mais ecológica deveriam ter recebido o apoio financeiro do Estado com as verbas do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) até 25 de janeiro. No entanto, dias antes do prazo, foram confrontados com uma comunicação do Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP) - organismo sob a alçada do Ministério da Agricultura - a informar que os apoios teriam um corte de 35% nos ecorregimes de agricultura biológica e de 25% na produção integrada.
Na quarta-feira, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, disse estar solidária com as dificuldades do setor, e admitiu que houve uma "comunicação infeliz" por parte do IFAP.
Que apoios prometeu o Governo?
Na quarta-feira à tarde, já quando estavam a ser preparados os protestos, alegadamente por parte de um movimento "informal e apartidário", o Governo convocou uma conferência de imprensa para anunciar um pacote de apoio aos agricultores de mais de 400 milhões de euros, com medidas à produção, no valor de 200 milhões de euros para mitigar os efeitos da seca na agricultura, assegurando as quebras de produção nos anos de 2024 e 2025.
Entre as iniciativas que vão ser criadas estão uma linha de crédito de 50 milhões, com taxa de juro zero, e a descida do imposto sobre os produtos petrolíferos sobre os produtos de gasóleo agrícola na ordem dos 55%, mais concretamente de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos. Estas medidas podem demorar dois meses a ser implementadas porque dependem de decisões de Bruxelas.
A ministra da Agricultura avançou ainda que o primeiro pilar do PEPAC será reforçado em 60 milhões de euros para assegurar os apoios à produção biológica e integrada. O Governo pretende, assim, compensar os cortes nos montantes a pagar aos agricultores que enveredaram por esse compromisso.
Num segundo pilar do mesmo plano estratégico, com vista ao desenvolvimento rural, existirá outro reforço de 60 milhões de euros para assegurar, até fevereiro, o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e clima.
Onde estão a decorrer protestos em Portugal?
Apesar do anúncio das medidas de apoio, os agricultores decidiram manter as manifestações, organizadas pelo Movimento Civil Agricultores de Portugal, justificando que não foram definidos prazos ou formas de pagamento.
Desde a madrugada desta quinta-feira que estão na rua com os seus tratores em protesto a bloquear estradas de norte a sul do país, à semelhança do que tem acontecido em França e um pouco por toda a Europa.
Concentrados em zonas de fronteira, como Mogadouro, Ventozelo, Vilar Formoso, Caia e Vila Verde de Ficalho, os agricultores querem travar a entrada de alimentos produzidos fora de Portugal. Prometem cortar estradas até serem ressarcidos pelo Estado com os apoios do PEPAC.
Quem negociou o pacote de apoio?
A ministra da Agricultura disse ter negociado o pacote de apoio aos agricultores com as confederações do setor. Contudo, a Confederação Nacional de Agricultores (CNA) assegurou, esta quinta-feira, em comunicado, não ter participado em qualquer negociação.
Já esta quinta-feira, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) esclareceu que acordou com o Governo, em 30 de janeiro, o pagamento, sem cortes, aos agricultores que enveredaram pelos ecorregimes de produção biológica e produção integrada. O Executivo terá prometido rever o atual PEPAC. A primeira reunião com esse propósito irá realizar-se na próxima segunda-feira, 5 de fevereiro.
O que dizem as confederações do setor?
As duas confederações portuguesas desmarcam-se dos protestos. A CAP disse, na quarta-feira, compreender a revolta, mas rejeita participar em ações que "condicionem o normal e regular funcionamento do mercado único" e "impeçam a livre circulação de bens agrícolas". Apelou ainda a que os governos europeus ouçam os agricultores e abram portas ao diálogo e às negociações.
Por seu turno, a CNA pretende realizar, em breve, marchas e manifestações regionais. Na terça-feira, a CNA disse estar a fazer um "caderno de reclamações com medidas" que possam ser implementadas pelo futuro Governo.
Que medidas propõe a Comissão Europeia?
A Comissão Europeia propôs conceder uma isenção parcial das obrigações de pousio na União Europeia (UE) e limitar as importações agrícolas da Ucrânia, bem como facilitar algumas regras ambientais. Esta quinta-feira, os líderes da UE reúnem em cimeira para debater os problemas do setor.
Porém, a cimeira não foi suficiente para acalmar a onda de contestação pela Europa, e, os agricultores manifestam-se fora da representação do Parlamento Europeu em Bruxelas, numa das principais praças do centro da capital belga. Os protestos mudaram de tom quando ao início da tarde os manifestantes derrubaram e queimaram uma estátua do monumento que adorna o centro da Praça de Luxemburgo e acenderam também várias fogueiras diante do cordão policial.
Ainda na quarta-feira, o Comité das Regiões Europeu aprovou um documento que insta Bruxelas a dotar respostas "rápidas e eficazes", desde logo um apoio imeditao com uma dotação financeira equivalente à atribuída à Política Agrícola Comum (PAC).
Em França - maior produtor agrícola da UE - mantêm-se bloqueadas várias estradas para denunciar a queda de rendimentos, o aumento dos custos de produção fruto da inflação e a concorrência estrangeira. O protesto também tem crescido na Bélgica, Grécia, Espanha, Alemanha e Itália.