Alexandra Leitão pede "humildade" ao Governo. Marcelo em silêncio. Cenário de remodelação volta a estar em cima da mesa com as demissões.
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São três demissões em dois dias, onze saídas nos nove meses de vida do Governo. O adeus do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, na sequência do caso Alexandra Reis, voltou a abalar o Executivo. Ainda que António Costa tenha dito, em tempos, que a maioria absoluta traria "estabilidade", o Governo navega por águas cada vez mais agitadas. O ministro das Finanças, Fernando Medina, continua a ser contestado, sobretudo pelo PSD, por ter sido ele a escolher, para secretária de Estado, a ex-administradora da TAP que saiu com uma indemnização de 500 mil euros. O cenário de remodelação volta a estar em cima da mesa. E, na Oposição, há quem peça ao presidente da República que convoque eleições antecipadas. Já Marcelo, depois de muito ter dito e ter pressionado o Governo a agir, manteve-se ontem em silêncio.
O desagrado estende-se ao PS. Alexandra Leitão, ex-ministra da Modernização do Estado e deputada conotada com a ala esquerda do partido, tal como Pedro Nuno, considerou que Medina deve explicar "o porquê da escolha para secretária de Estado" de alguém com "o perfil" de Alexandra Reis. À TSF, aconselhou o Governo a "olhar para si, sem arrogância e com humildade, e perceber que há algo que é preciso mudar".
Ao JN, o dirigente Daniel Adrião defendeu que, para além de "uma grande renovação da equipa", Costa deve criar o lugar de vice-primeiro-ministro. Mas Ana Gomes crê que "ninguém o pode substituir na articulação dos ministros" e refere que a grande mudança no Executivo deve passar por se "empenhar" nessa tarefa, ao contrário do que diz ter acontecido nos últimos nove meses.
"Vice" ou Costa mais presente
"Deveria haver uma reestruturação orgânica do Governo", começou por afirmar Daniel Adrião. A "reformulação profunda" deve incluir "o cargo de vice-primeiro-ministro" (como Paulo Portas com Passos Coelho). Acredita que isso resolveria "os problemas de coordenação", que, na sua opinião, não pode ser atribuída a um secretário de Estado. Além disso, insiste que quem está na direção do PS não deve ser ministro.
Para Ana Gomes, é preciso agora substituir a equipa de Pedro Nuno Santos, sem remodelação, e que, após "nove meses de casos e casinhos", Costa se "empenhe absolutamente nas funções de primeiro-ministro, e não continue entretido com as questões comunicacionais". "Só o primeiro-ministro pode articular os diversos ministros", diz a ex-eurodeputada.
Ao JN, o professor catedrático Viriato Soromenho-Marques afirma que a maioria fez Costa "baixar a guarda". O politólogo José Adelino Maltez concorda, frisando que o momento atual do Governo prova que a maioria absoluta não é "um seguro de vida". Os académicos questionam o papel do ministro das Finanças. Maltez refere que teve maior "responsabilidade política" na escolha da secretária de Estado, frisando que a hipótese de não lhe conhecer o currículo "é tão má como conhecer e nomeá-la". Para Soromenho-Marques, o desconhecimento de Medina é uma "desculpa esfarrapada", tendo o dever de informar-se sobre quem escolhe.
Soromenho-Marques considera que o "estado de negação" em que Costa vive travará remodelações governamentais profundas. "Se isto continua, daqui a uns meses o Governo cai e não há ninguém para o defender", refere. A médio prazo, Marcelo poderá sentir-se tentado a dissolver o Parlamento, porque "há limites para tudo".
Para Maltez, a hipótese de Marcelo usar a "bomba atómica" é "totalmente descabida" e "nem o PSD queria eleições agora". Ainda assim, refere, "há quem diga" que os casos que, em 2004, levaram Jorge Sampaio a dissolver o Parlamento e derrubar o Governo de Santana foram "menos graves".