Iniciativa "Portugal no coração" já permitiu que mais de 840 emigrantes sem condições financeiras visitem a terra natal.
Corpo do artigo
Faz uma pausa, leva a mão ao peito enquanto controla as lágrimas e responde, com voz trémula: "o coração tem que aguentar". Joaquim da Silva Rodrigues, 75 anos, emigrou aos 18 anos para o Brasil e há meio século que não pisava solo português. "Naquela época estava ruim" e partiu. Só agora, graças ao programa "Portugal no Coração", volta a cruzar o Atlântico
Joaquim faz parte do grupo de 15 idosos, com média de idade de 70 anos, vindos da África do Sul, Argentina, Brasil e Venezuela, que participam este ano no programa. A viagem, de duas semanas, termina quinta-feira e leva-os a visitar várias regiões do país. Alguns estendem a estada por mais alguns dias, ficando em casa de familiares.
É um sinal de que Portugal, que tem "milhões de pessoas espalhadas pelo mundo", não esquece "os seus", afiança Francisco Marcelino, presidente do INATEL, a propósito do projeto que integra e que dá aos emigrantes sem capacidade financeira a oportunidade de voltar a abraçar a terra onde nasceram. Desde que iniciou, em 1996, 840 emigrantes já participaram.
No Brasil, foi com um restaurante de "comida portuguesa" que Joaquim alimentou o sonho de voltar a ver as três irmãs que deixou em Macinhata do Vouga, Águeda. "Estava esperançoso de voltar. Portugal esteve sempre na memória, nunca vou esquecer", desabafa. Sem o programa, reconhece, "não conseguiria vir". O reencontro será também uma descoberta. "Só agora vou conhecer os cunhados e sobrinhos", diz, explicando que irá prolongar a viagem.
Perdeu o rasto à família
Pelo contrário, Maria Júlia Parente não tem ninguém à sua espera. Pelo menos que saiba. Saiu aos 11 anos, com a mãe e a irmã para Buenos Aires, Argentina, ao encontro do pai, e deixou para trás a aldeia de Póvoa Nova, em S. Martinho, Seia. "A minha mãe não sabia ler nem escrever e eu era pequena. Nem sei se tenho cá família", confessa a idosa de 77 anos. Mas nunca deixou de sentir que Portugal é o seu país. Tinha tanto desejo de o ver que concorreu dois anos seguidos até conseguir integrar o programa. "A pensão é pequena e não dava", explica. Daí a "emoção" que sentiu quando lhe anunciaram que conseguira a viagem "de sonho".
Em Aveiro, onde o JN encontrou o grupo, nem a chuva que impediu o passeio de moliceiro estragou a boa disposição. E, enquanto aprendiam a fazer ovos moles, partilharam as histórias da sua vida.
A de Teresa Mendes Alves, 74 anos, levou-a da Madeira à Venezuela, há 54 anos, ao encontro do marido. Outros irmãos viajaram para os EUA e para o Brasil.
Na Venezuela, conta Teresa, a vida não foi fácil, mas criou quatro filhos. Vive na cidade de Acarigua, num estado do interior que se chama "Portuguesa". "É só um nome, mas agrada-me", diz. E não fossem as convulsões político-sociais que a terra adotiva enfrenta, e a visita ao Portugal real seria mais "feliz e tranquila".
Programa
Criado em 1996
"Portugal no coração" é um programa criado em 1996, dirigido a emigrantes com 65 ou mais anos de idade, residentes fora do território europeu, que não visitem Portugal há pelo menos 20 anos e não tenham condições financeiras para o fazer.
Parceiras
É promovido pela Fundação INATEL, Ministério dos Negócios Estrangeiros. Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades , Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e TAP.