Sampaio da Nóvoa, ex-candidato a Belém, na entrevista JN/TSF deste domingo.
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Como é que o PS pode sair da crise em que mergulhou?
Não vou dar conselhos a partidos, sobretudo a partidos nos quais nunca estive integrado. Agora, há um problema de fundo com os partidos em Portugal, viraram-se muito para dentro deles próprios.
O PS deve ser o parceiro do Governo para aprovar o Orçamento, ainda que Luís Montenegro possa não excluir o Chega das conversações?
Não diria a mesma coisa há dez anos, mas a cada momento temos de perceber onde é que está o problema principal, qual é a ameaça. Hoje a ameaça principal está claramente definida e portanto, sim, devemos fazer tudo para assegurar estabilidade. Não quer dizer que concordemos com tudo. É bom que haja uma crítica, porque isso faz parte da democracia. A democracia é a promessa de uma liberdade total, mas deve ser feito tudo para assegurar a continuidade deste Governo até ao final da legislatura.
Não há o risco de deixar o Chega liberto de responsabilidades, com mais espaço para ser oposição e crescer?
Não acredito nisso. Eu acho que o problema de Portugal está na instabilidade que foi criada nestes últimos anos.
O resultado nas autárquicas deve ser tido em conta na avaliação que os candidatos presidenciais fazem dos jogos de forças?
Quaisquer eleições têm uma leitura política. Claro que os candidatos que estão no terreno, as pessoas, os partidos, os movimentos, os cidadãos, devem fazer uma leitura disso. Até antes desse dia, a conversa já é necessária agora. É necessário que falem.
Acredita que haja ainda uma desistência por parte de alguns dos candidatos?
Não sei. Não estou na cabeça deles nem dentro dos partidos. O que me custa muito é que os partidos, na sua lógica interna, fecham-se na sua concha e às vezes preferem salvar a pele a salvar o país. De repente um partido que tem 3% conseguiu um candidato que teve 3,5% e é uma vitória extraordinária, o país pouco importa.
Esse recado encaixa-se por exemplo no PCP e na forma como recusou coligações?
Encaixa-se de um modo geral em todos os partidos. A maneira como não se renovaram, não construíram novas gerações de quadros, não se abriram à sociedade, não conseguiram construir outras dinâmicas, é um dos fatores que nos trouxe aqui. Mas chegados aqui, a prioridade das prioridades é combater esta espécie de fatalidade, de inevitabilidade que o André Ventura muito inteligentemente tem deixado passar junto de toda a gente. Precisamos de corrigir as imperfeições, já disse no discurso do Dia de Portugal em 2012, já lá vão 13 anos, quando utilizei a imagem de que há muitos Portugais dentro de Portugal. E se em 2012 havia muitos, em 2025 ainda há mais Portugais de desigualdades, de pobreza.
Quais são as nossas maiores assimetrias? Sociais ou territoriais?
São sociais. Há hoje um nível de vida médio aceitável em Portugal. Não é bom, mas é aceitável. Mas há bolsas de pobreza e de miséria absolutamente inaceitáveis. E também de pobreza e de miséria nos imigrantes, naqueles que acolhemos, o que é igualmente inaceitável. Há uma fratura social muito forte e há também as grandes desigualdades territoriais. Eu que nasci em Valença, que vivi no Minho, no Porto, em Coimbra, em Aveiro, em Lisboa e em Oeiras, que fiz várias voltas ao país ao longo da minha vida, às vezes estou em Arouca e dizem-me que é o interior dos interiores. Arouca em linha reta deve estar a 35 km do mar.
Essa desigualdade é a causa maior do ressentimento que tem dado espaço ao Chega.
A desigualdade é uma das causas maiores, aquela sensação de que não podemos conduzir a nossa vida, que não temos os instrumentos, os lugares para habitar, os lugares para trabalhar, etc., junto com a ideia de abandono. A ideia de que elegemos certas pessoas para cuidarem de nós, porque é esse o princípio da democracia, e sentimo-nos abandonados.
As redes sociais e o contexto internacional são fatores a ter igualmente em conta. Ou seja, Portugal não está sozinho relativamente aos extremismos e à polarização.
O último relatório feito em França, pela Assembleia Nacional Francesa, sobre o TikTok é absolutamente assustador. Nós não sabemos lidar com o digital, que é uma espécie de máquina extraordinária que puseram nas nossas mãos em muito pouco tempo e não sabemos o que fazer com isto. Receio que o mundo digital seja um mundo contrário ao da democracia. Por duas razões principais. Porque a democracia é um exercício de tempo, de maturidade, de diálogo.
E o digital é um espaço de velocidade.
O digital é o contrário disso. E a democracia precisa de uma segunda coisa que é essencial, que são as mediações institucionais. O digital é o contrário disso tudo, é o instantâneo e é o direto. Eu receio que a democracia tal como a conhecemos esteja em sérios riscos face ao mundo digital, se não aprendermos muito rapidamente a lidar com ele. E depois, claro, os fenómenos internacionais. Julgo que estamos a assistir, com grande pena minha, a uma espécie de fim de uma época, que tem três datas. 1945, Nações Unidas, cooperação, multilateralismo. 1948, direitos humanos. 2015, agenda 2030 da sustentabilidade. Julgo que estamos a assistir ao fim de uma época destas três datas.
Quando anunciou que não seria candidato, disse que nunca virará a costas nem falhará ao seu país e que a cidadania exige coragem. Não lhe faltou coragem no momento de avançar?
A coragem está cá e estará sempre. Eu não tenho medo. Ao dar esta entrevista, estou a fazer uma intervenção pública cidadã, a pedir a convergência, a apelar aos candidatos das autárquicas, que são de uma importância extrema para os próximos anos, e aos candidatos presidenciais, estou a fazer o papel que julgo que me compete. Não tenho nenhum plano. Se for preciso travar combates, estarei para os combates que for preciso travar.