Sampaio da Nóvoa, ex-candidato a Belém, critica Marcelo pelas crises políticas e apela à convergência entre candidaturas, na entrevista JN/TSF deste domingo.
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À Esquerda muitos suspiraram pelo seu nome e quiseram reavivar a candidatura que protagonizou em 2016. Sampaio da Nóvoa não avançou para evitar a fragmentação, mas admite que António José Seguro e Marques Mendes podem diminuir (ainda mais) o PS e o PSD. Dispara críticas ao presidente da República, por ter lançado três "bombas atómicas", e alerta que vivemos o fim de uma era.
Estamos em plena campanha para as autárquicas. A discussão sobre estas eleições foi prejudicada pelo amplo debate em torno das presidenciais?
Houve uma sucessão de atos eleitorais e inevitavelmente as coisas acabam por se confundir em determinados momentos. No entanto, é muito importante dizer que estas autárquicas são talvez das eleições mais importantes das últimas décadas. A existência hoje de um partido claramente antidemocrático leva à necessidade de uma grande convergência dos democratas. O apelo que eu teria a fazer neste momento, a duas semanas das eleições, é de convergência progressista em torno dos mais bem posicionados para baterem os candidatos dessa força antidemocrática. Gostaria muito que no dia 12 de outubro, à noite, estivéssemos a celebrar a eleição de 308 presidentes de Câmara todos vindos de forças democráticas.
Decidiu não avançar como candidato presidencial. A sua decisão prende-se com o apoio que acredita que o PS dará à candidatura de António José Seguro?
Tem a ver com muitas circunstâncias, mas alguns amigos dizem-me... "Estás demasiado amarrado ao que foi a campanha de 2016." Foi uma campanha muito limpa, muito bonita, independente. Eu não tive apoio partidário para recolher uma assinatura.
Mas foi dada liberdade de voto no PS, apesar de haver uma candidata vinda do partido.
Exatamente. Alguns partidos perceberam que as eleições presidenciais têm de ser mais do que uma lógica estritamente partidária. Claro que foi muito importante naquela altura o apoio de Mário Soares, de Jorge Sampaio, de Ramalho Eanes. Neste momento, nem Mário Soares nem Jorge Sampaio estão cá, infelizmente.
Mas não sentiu outros apoios significativos de forças e personalidades de Esquerda?
Senti muitos apoios e muita gente a falar. Não foi por isso que tomei a decisão que anunciei no dia 13 de agosto. Foi por sentir que podia eventualmente ser visto como um fator de divisão ou como um fator de fragmentação, algo que eu nunca serei. Se posso dar alguma coisa aos portugueses, é sempre numa perspetiva de convergência democrática. É desse sentido de convergência que precisamos também nas presidenciais. Julgo que seria dramático para a nossa democracia a passagem à segunda volta de uma pessoa que tem revelado claramente tendências antidemocráticas, de ódio, de violência, de agressividade.
Falou no risco de fragmentação, mas não abriu espaço a mais candidaturas à Esquerda, como a de Catarina Martins?
O apelo que eu tenho a fazer a todos os candidatos que estão no terreno é que falem uns com os outros, que encontrem uma base de diálogo, que encontrem alguma coisa que nos permita ir às eleições com esperança e não apenas cumprir um dever partidário de votar no candidato do meu partido ou do outro. A possibilidade de que toda a gente fala, e que eu não quero imaginar, de uma segunda volta das presidenciais entre Gouveia e Melo e André Ventura seria uma derrota brutal para as correntes progressistas.
Como é que interpreta o almoço que foi mantido entre Gouveia e Melo e André Ventura?
Não quero muito pronunciar-me sobre candidatos concretos. Mas é verdade que num primeiro momento Henrique Gouveia e Melo parecia um candidato interessante, não estou a dizer que fosse extraordinário, mas tinha um currículo, uma história, e a maneira como tratou das questões da covid foi muito interessante, nomeadamente enfrentando negacionistas. Mas em campanha, ao longo deste último ano, tem sido um ziguezague permanente, uma hesitação permanente, uma aproximação a forças antidemocráticas e de repente um piscar de olho a forças mais progressistas, tem-se mostrado um candidato, nesse sentido, pouco fiável e confiável nas suas posições. E por isso eu digo que o cenário pior para uma eleição presidencial seria imaginarmos uma segunda volta entre Gouveia Melo e André Ventura. A nossa democracia tem dois pilares essenciais, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. A fragilização de qualquer um destes partidos é uma péssima notícia para a democracia.
Mas é já nesse cenário que estamos, a partir do momento em que o PS passou a ser a terceira força.
Exatamente, é esse cenário que temos de combater, precisamos de um PS forte, robusto, bastião das liberdades e da democracia, precisamos de um PSD com a sua matriz social-democrata forte, que se alternem no poder, mas que sejam capazes de grandes compromissos para o país. E, na verdade, tanto a candidatura de Marques Mendes como a de António José Seguro podem ser difíceis e contribuir para uma certa diminuição, tanto de um partido como de outro. Talvez menos do PSD, porque está no Governo, mas pode ser um elemento muito nefasto e muito negativo para o PS, nomeadamente se não passar à segunda volta.
É por essa razão que entende que devem ser unidos esforços em torno de António José Seguro e foi uma das razões para não avançar?
Exatamente. Devem ser unidos esforços e devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que André Ventura não esteja na segunda volta das presidenciais. Se conseguirmos, nas autárquicas, criar uma barreira à eleição de presidentes de Câmara vindos do Chega, se conseguirmos, nas presidenciais, impedir a passagem à segunda volta, eu acho que recolocamos o Chega e as forças antidemocráticas no seu lugar. E o seu lugar é importante, mas representam pouco mais de um quinto dos votos dos portugueses. É desproporcional o tempo que ocupam na comunicação social, a maneira como o Chega controla a agenda da comunicação social e parece que estamos todos a contribuir.
Controla pelo excesso de exposição?
E porque se lhes desculpa tudo. Eu ouvi vários comentadores, alguns dos quais admiro e aprecio, a desvalorizarem as propostas e declarações que André Ventura fez neste encontro em Espanha, em que disse que queria ir caçar imigrantes, o que é crime, em que disse que queria prender o primeiro-ministro, e eu vi as pessoas dizer, "ah, isto são excessos de comícios feitos no estrangeiro". Não podemos desculpar isto. Não é um excesso retórico, são declarações criminosas.
A verdade é que em várias matérias tem havido alinhamento entre o Governo e o Chega. Como é que podemos falar em convergência ou em barreira, quando o PSD assumiu que dialoga com todos?
Há uma coisa que nós sabemos da história. As grandes tragédias, nomeadamente os grandes totalitarismos, aconteceram pelo silêncio, pela conivência, pela cumplicidade de muita gente. E Portugal está muito adormecido. É preciso acordar os portugueses. É preciso combater um certo fatalismo que tenho ouvido de amigos próximos, como se fosse uma fatalidade cairmos outra vez numa ditadura e recuarmos décadas no nosso desenvolvimento. Eu, pela minha parte, não estou disposto a perder o país que nos deu tanto esforço a construir, um país de dignidade, um país de democracia com imensos defeitos, sim, mas um país do qual nos orgulhamos. Não estou disposto a perder este país sem luta, sem combate.
Foto: Adelino Meireles
Como é que recuperamos, nessa ideia de convergência, eleitores zangados com os partidos?
Recuperam-se com duas ou três coisas. A primeira é a confiança, e é por isso que as autárquicas são tão importantes, porque na esmagadora maioria dos casos há um conhecimento da pessoa. Depois, conquista-se com boa governação e estabilidade. O grande problema que tivemos em Portugal e que abriu as portas a este populismo foi a instabilidade. Três dissoluções da Assembleia da República em pouco mais de três anos foram uma violência brutal sobre a democracia.
Marcelo Rebelo de Sousa avaliou mal?
Quando falamos das dissoluções, utilizamos a metáfora da bomba atómica. A metáfora é feliz, porque quando se lança uma bomba atómica arrasa-se muita coisa. E as três bombas atómicas lançadas em três anos foram uma violência democrática absolutamente imensa. As pessoas sentiram-se abandonadas, zangadas, e isso foi o pasto fértil para estes populismos.
Será uma marca inevitável de Marcelo Rebelo de Sousa?
Eu tenho uma enorme admiração por Marcelo Rebelo de Sousa, acho que é uma personalidade exemplar do ponto de vista democrático. É um homem de grande cultura. Fez discursos muitíssimo bons, ainda esta semana, na Assembleia Geral das Nações Unidas, um belíssimo discurso. Tem os valores certos, mas não resistiu à intervenção constante.
Não despiu completamente a pele de comentador?
Ele um dia disse que uma das suas funções principais era ser um pica-balões. Isto é, sempre que há um problema, eu vou lá tentar esvaziar o balão. Na verdade, nunca esvaziou o balão. Encheu sempre, e ao encher ficou prisioneiro das palavras e as três dissoluções tornaram-se inevitáveis. No tempo em que estive no Conselho de Estado e em que fui obrigado a pronunciar-me, fui sempre contra. A estabilidade é um valor maior para criar a confiança e o sentido de governação. E depois há um terceiro ponto que tem faltado de forma nítida na política portuguesa, que é uma ideia de futuro. Faltou nos governos dos últimos anos. Falta no Governo atual. E um presidente da República devia justamente intervir menos no presente e ser portador de grandes consensos na sociedade, no prazo de 30, 40 anos, para conseguirmos construir um país que tem tudo para ser um dos melhores do Mundo. Temos uma sociedade que é melhor do que o Estado e que a política. Precisamos de libertar essa sociedade. Estamos sempre a deitar fora o caminho que fizemos, é o país do desperdício de oportunidades.
Há nesse desperdício uma responsabilidade de quem nos governa e governou.
Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Se me perguntar quais são duas das grandes personalidades deste país, nas últimas décadas da política, é muito fácil dizer-lhe Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. De 2015 até 2023, os portugueses deram-lhes confiança, renovaram a confiança, e sentiram-se abandonados. Faltou ali qualquer coisa, a governação não teve o ânimo, o ímpeto.
António Costa falhou ao país, nomeadamente quando se demitiu?
Sinto que falhou ao país até antes de ser demitido. Aquele último Governo já não tinha fôlego, já não tinha ideia de futuro. A maneira como o próprio PRR foi construído foi muito mediana, sem grandes prioridades, sem grandes estratégias.