A cidade que faz o trânsito girar em torno de 120 rotundas e onde não há semáforos é aquela onde se passa menos tempo dentro do carro. À semana, em S. João da Madeira, as pessoas perdem, em média, 45 minutos por dia no trânsito. É o número mais baixo do país. Andar a pé é o melhor remédio
Corpo do artigo
"Aqui estacionas o carro e fazes tudo a pé. Porque está tudo centralizado, a cidade é muito pequena e em cinco minutos estás em qualquer lado". A explicação é de Susana Silva, 42 anos, que vive mesmo no centro de S. João da Madeira. É nesta cidade de pouco mais de 21 mil habitantes, entre as que fazem parte das Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, que se perde menos tempo no trânsito (ver infografia). Onde há 120 rotundas e onde foram abolidos os semáforos. Por dia, gasta-se 45 minutos dentro do carro. E o segredo não é nenhuma fórmula matemática: "Levo mais tempo a pegar no carro do que se for a pé, por isso faço quase tudo a pé".
O número está longe do de Gaia, onde se perdem 81 minutos por dia no trânsito. Ou de Lisboa, onde se passam 84 minutos diariamente a conduzir. Os dados são de um estudo do INE sobre a mobilidade nas áreas metropolitanas do país, que põe S. João da Madeira na linha da frente. Susana é arquiteta e conta meia dúzia de passos entre casa e o trabalho. Os filhos também vão a pé para a escola. Nem para ir às compras pega no carro. "Costumo dizer que vou à despensa, porque o supermercado fica mesmo junto a casa". A cidade é tão pequena que dá para calcorrear de uma ponta à outra em pouco tempo", conta.
É uma boa cidade para andar a pé, por ser tão pequena. Mas não acho que percamos pouco tempo no trânsito
O mesmo faz Mariana Gonçalves, 33 anos, que se surpreende com os dados. "É uma boa cidade para andar a pé, por ser tão pequena. Mas não acho que percamos pouco tempo no trânsito. Para a distância que percorremos, leva-se muito". Quando pega no carro ao fim da tarde, Mariana acaba por se arrepender: "É crítico, principalmente na Rua João de Deus e junto às escolas". Nada que impeça Mário Roque, comerciante, de 62 anos, de usar o carro nas horas de ponta: de manhã para ir trabalhar, depois para ir almoçar e para regressar a casa ao final do dia. Leva pouco mais de dez minutos em cada viagem. "Acho que é pouco", atira. "A cidade tem várias vias alternativas. ", observa.
O trânsito, ali, desenha-se em torno de rotundas. São 120 ao todo. E não há um único semáforo. "É uma coisa de que nem sequer nos lembramos, mas a eliminação dos semáforos foi uma decisão histórica e pioneira no país. A introdução das rotundas facilitou o escoamento do trânsito", diz Jorge Sequeira, presidente da Câmara, que explica o pouco tempo passado no pára-arranca com a dimensão do território. Mesmo contando com o facto de haver mais gente a entrar na cidade diariamente do que residentes. "Tem a ver com a concentração territorial de bens e serviços, ao nível de emprego, cultura e educação. Por isso há poucas deslocações para fora, para ir às compras ou estudar, e por isso recebemos muita gente de concelhos vizinhos. A cidade retém as pessoas", sublinha.
Lacunas para mobilidade reduzida
Em poucos metros, esbarra-se no centro comercial, escolas, numa fábrica ou num museu - ora do calçado, ora do chapéu. É de tal forma atrativa que Sérgio Magri, aos 63 anos, se mudou de Roma, em Itália, para S. João da Madeira. Faz precisamente um mês. "O meu filho mora aqui e mudei-me para vir para perto dele. Estou a adorar", conta, enquanto passeia o cão pela principal avenida da cidade, a Renato Araújo, onde vive. "Não uso muito o carro, mas só apanho trânsito quando vou ao Porto, aqui dentro da cidade não tem problema nenhum. Levo cinco minutos a chegar a qualquer lado", diz.
Apesar de ser uma cidade para se palmilhar, não parece ser para todos. Mariana diz que "não está preparada para a mobilidade reduzida". "Sinto dificuldades quando ando de carrinho de bebé". As mesmas que Susana sente quando passeia com o pai de cadeira de rodas. "É degraus por todo o lado, às saídas das passadeiras, nos separadores no meio das vias, passeios sem rampas".
Mas S. João da Madeira não se senta à sombra dos números divulgados pelo INE. E quer melhorar. "O nosso desafio é tornar a cidade mais amiga dos peões", diz o autarca. Começa pelo projeto Cidade inclusiva. "Prevê o alargamento do passeio da Rua João de Deus e intervenção em 82 passadeiras, algumas delas inteligentes, que alertam os condutores para quando está um peão, e outras adaptadas a invisuais". Vão construir ciclovias em torno do Parque do rio Ul e requalificar o centro urbano e zona pedonal. O maior desafio passa por aumentar o uso do transporte coletivo. S. João da Madeira é o município da AMP que menos usa transportes públicos. O autocarro TUS já é gratuito para os estudantes. Agora vão ser melhorados os interfaces, criados avisos eletrónicos para o tempo de espera e uma aplicação para smartphone. Tudo junto representa um investimento de cinco milhões de euros na cidade onde o segredo é, afinal, um número: oito quilómetros quadrados de área.