Sapadores em luta junto ao Parlamento: "Somos o parente pobre da proteção civil"
À primeira vista, parecia ter havido um acidente: uma rua estava cortada, havia fumo no ar e o som de sirenes dava um toque apocalíptico. Tratava-se, contudo, de um protesto dos bombeiros sapadores. Ao JN, frisaram que a tensão que se viveu foi fruto do "acumular de descontentamentos" ao longo de 22 anos sem respostas.
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A grande maioria das várias centenas de sapadores presentes está fardada. Pelas inscrições nas costas dos fatos, é possível ver que vêm de todo o país: Porto, Coimbra, Braga ou Setúbal. Ocuparam as escadarias exteriores do Parlamento, por norma vedadas pela polícia - daí os momentos de alguma tensão no início do protesto, durante os quais foram rebentados alguns petardos. A verdade, contudo, é que conseguiram chamar a atenção da ministra da Administração Interna.
É a partir dessa escadaria que gritam palavras de ordem simples, como "Sapadores" ou "Respeito". Há, contudo, uma outra palavra que muitos sapadores repetem para explicar a sua presença na concentração: "risco". De megafone em punho, também um dos organizadores do protesto lembra que quem está nesta profissão "arrisca a própria vida".
À entrada do largo, uma brigada de intervenção da PSP aguarda, de capacete posto, para o que der e vier. Junto às grades, os manifestantes colocam um caixão e uma cruz, simbolizando a morte da profissão. Por cima, há um cartaz onde se lê: “Sabes quem vai salvar o teu filho”.
Contestam reforma aos 60 anos: "Com essa idade, acha que consigo levar uma vítima às costas?"
O acordo entre Governo e polícias foi um dos catalisadores deste protesto, e ninguém o esconde. Ao JN, Rui Coelho, sapador em Lisboa, diz querer ser “compensado como a restante Função Pública”. Outro manifestante comenta: “Só aqui para os idiotas é que não há nada”. Carlos Marques, de Loulé, afirma não ser “aceitável” que, excluindo os subsídios, um sapador ganhe abaixo do salário mínimo: “Sentimo-nos o parente pobre da proteção civil”, lamenta.
Um sapador do Porto só aceita falar ao JN sob anonimato. Critica o Estado por deixar a profissão “à mercê das câmaras”, já que muitas recusam pagar horas extra. E, emocionado, acrescenta: “Se alguém faz isto por dinheiro, está na profissão errada. É uma missão. Mas quando damos tudo e não nos dão nada em troca...”.
Outra das reivindicações do setor é a descida da idade da reforma, que em 2019 passou dos 50 para os 60 anos. O mesmo sapador portuense indigna-se: “Acha que, com 60 anos, consigo subir a uma escada, pôr uma vítima às costas e voltar a descer?”. Acrescenta que a carreira tem hoje "atratividade zero" e que, se os sapadores não saírem à rua, "a profissão vai desaparecer".