O ultramaratonista Tiago Cação arranca esta segunda-feira de manhã numa volta a Portugal em bicicleta pela sustentabilidade e defesa dos modos suaves de transporte. A partida simbólica está marcada para as 9 horas da manhã, em frente à Câmara Municipal do Porto.
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Tiago Cação vai fazer seis mil quilómetros numa volta a Portugal que começa em frente à Câmara Municipal do Porto, esta segunda-feira, e terminará em Lisboa no final do mês. À média diária de 240 quilómetros, o ultramaratinista de Montemor-o-Velho vai passar por todos os 278 Municípios de Portugal continental para deixar uma carta a sensibilizar as autarquias para a necessidade da mudança de paradigma nas políticas urbanísticas e de mobilidade, com uma aposta nos modos suaves, na sustentabilidade e na qualidade de vida das populações.
"São as autarquias que tomam as decisões que afetam mais o nosso dia a dia e estamos longe da discussão do poder autárquico”, disse Tiago Cação, sinalizando o objetivo da iniciativa, que batizou de "Projeto 278", em referência às câmaras que vai visitar durante o mês de junho. "Temos modelos de cidades desadequados à realidade", acrescentou, questionando quantas ruas pedonais temos nas nossas maiores cidades e que condições têm sido criadas para promover modos suaves de deslocação, como a bicicleta, por exemplo.
Esta segunda-feira, Tiago Cação entrega o primeiro manifesto à vereadora da Câmara Municipal do Porto, Catarina Araújo, que tem o pelouro da Qualidade de Vida. Nesse momento simbólico, aprazado para as 8.15 horas, será acompanhado pelo presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, o ex-ciclista Cândido Barbosa, pela presidente da MUBI - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, Vera Diogo, e pelo CEO da Greenvolt Comunidades, José Queirós de Almeida.
Depois da partida no Porto, Tiago segue para a Maia e Matosinhos, antes de apanhar um transfer para Melgaço, onde começa a percorrer o país de bicicleta, em nome da qualidade de vida e da sustentabilidade. “O objetivo do projeto é despertar consciências, também na população, e que este ano, de eleições autárquicas, o tema não fique de fora do debate político”, adiantou.
Rui Moreira e Pilar del Rio entre embaixadores
Com as autárquicas no horizonte, Tiago Cação quis associar um autarca aos embaixadores do Projeto 278. “Convidei Rui Moreira, um autarca que não se pode recandidatar, para ser embaixador do projeto, desafiando a para fazer um balanço do que tinha feito, que está ainda a pensar fazer ou que está arrependido de não ter feito” na cidade do Porto, explicou. A iniciativa junta ainda outros embaixadores, como Pilar del Rio, viúva do Nobel da Literatura José Saramago, o músico António Zambujo ou cantora moçambicana Selma Uamusse.
Com o "Projeto 278", Tiago Cação, único português a conseguir fazer as nove ilhas dos Açores em nove dias consecutivos, vai levar uma carta a todas as autarquias de Portugal continental, em ano de eleições, para apelar à redefinição da mobilidade urbana. "Os autarcas têm medo da mudança. Porque, naturalmente, há sempre resistência das pessoas. Mas se a mudança for bem feita, vão perceber ao fim de algum tempo que a qualidade de vida, a saúde ambiental vai ser melhor” argumentou. “Não conheço um presidente e de câmara que tenha perdido as eleições por melhorar a qualidade de vida das populações”, acrescentou, desafiando a audácia de mudar.
Reduzir a velocidade salva ciclistas e peões
Das várias medidas constantes da carta que vai entregar às autarquias, Tiago Cação destaca a proposta para reduzir a velocidade máxima nos centros urbanos para 30 quilómetros por hora. "É sensivelmente a média que fazemos na cidade com o trânsito atual", começa por desdramatizar, antes de explicar: "Uma redução da velocidade cria um ambiente mais seguro para os os ciclistas e para os peões."
No entender de Tiago Cação, a redução da velocidade iria acelerar a transformação necessária, permitindo a mais pessoas usar a bicicleta para deslocações diárias, diminuindo a dependência do automóvel. "Os transportes públicos atrasam-se porque há demasiados carros. Se minimizarmos a entrada dos carros nos centros urbanos, é claro que os transportes públicos vão funcionar melhor. É simples”, acrescentou.
“Temos de mudar. E é já, não é daqui a 20 ou 30 anos”, diz Tiago Cação. Considerando que “está tudo por fazer em Portugal”, dá conta do incómodo por “estar atrasado em relação a outros países europeus.” Formando em Turismo, lembra que teve a sorte de poder viajar e de ver as transformações de cidades como Londres, Paris, Bilbao ou Manchester. “Se no coração da revolução industrial conseguiram tirar os carros, aqui também se pode conseguir”, acrescentou.
“O carro tem um poder muito grande de influência em Portugal”, disse Tiago Cação. “Temos uma grande indústria de bicicletas. Somos dos maiores exportadores da União Europeia, mas não há um grande interesse em ter uma intervenção mais ativa. Isto é uma crítica ao setor”, acrescentou, elogiando o apoio da Abimota, uma associação parceira que “ajudou imenso” na realização deste projeto.
Empresas chamadas a criar condições para os trabalhadores
A mudança depende essencialmente da vontade política, como sucedeu em Paris, por exemplo, mas é também preciso chamar as empresas à corrida. "Faz falta criar condições nos locais de trabalho. As empresas têm de participar e incentivar esta mudança, com estacionamento de bicicletas e balneários", disse, dando como exemplo a cidade de Bergen, na Noruega, em que a bicicleta é usada por quase todos, apesar de chover ou nevar em quase 300 dos 365 dias do ano.
Em Portugal, o clima é mais favorável, mas a orografia e a pressão do automóvel, acrescida de falta de condições estruturais, como a escassez de ciclovias ou o uso indevido e abusivo dos espaços dedicados a ciclistas, fazem da mobilidade em duas rodas um desafio arriscado que muitos experimentem uma vez e evitam para sempre. "Há sempre risco, naturalmente, seja de bicicleta, a pé, mota ou carro”, disse. “A perceção do risco é maior na cidade, mas o risco é menor que no meio rural, onde as velocidades são maiores”, acrescentou.
Ultramaratonista, Tiago Cação tem milhares de quilómetros percorridos em duas rodas. E deixa um conselho a quem tem receio de se fazer à estrada de bicicleta. “Há um desconforto inicial, vamos ouvir as pessoas criticar”, reconhece, sublinhando que “a fórmula mágica é continuar, ignorar e não ter medo” de partilhar a estrada. “Acredito piamente que ninguém nos vai atropelar intencionalmente”, acrescentou.
Vertente turística não é esquecida
Formado em Turismo, Tiago Cação não negligencia a vertente turística da volta a Portugal pelas autarquias. Durante a iniciativa serão produzidos conteúdos audiovisuais para dar visibilidade à diversidade paisagística, patrimonial e cultural do país. Dado o consumo de calorias elevado para fazer mais de seis mil quilómetros de bicicleta, a fome pode juntar-se à vontade de comer. “Infelizmente não vou poder ir comer a todos os sítios que gostava, mas alguns são incontornáveis”, disse, porque mostrar o bom de Portugal é sentar também à mesa para almoçar ou jantar. “Nem que depois ande um bocadinho mais devagar”, comentou.
O Projecto 278 será acompanhado pelo realizador belga Ryan Le Garrec, conhecido pelas obras sobre ciclismo e ultramaratonismo, e que fará um documentário sobre esta viagem. A trabalhar na indústria musical, fotógrafo por paixão, produtor e escritor de viagens, Tiago Cação produziu e realizou o documentário Horizontes, atualmente disponível na RTP PLAY.
Nasceu em Montemor-o-Velho em 1983, Dedica-se frequentemente a causas sociais. Em abril de 2020, realizou uma volta solidária a Portugal. Percorreu dois mil quilómetros em sete dias e angariou duas toneladas de alimentos para a União Audiovisual. Também em outubro de 2020, com o apoio da Rádio Comercial, fez a estrada Nacional 2 em 27 horas, tendo angariado mais de oito mil euros através de crowdfunding, valor que foi convertido em ajuda alimentar para profissionais do setor da cultura em dificuldades financeiras devido à pandemia.
O Projecto 278 tem o Alto Patrocínio do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o apoio da Associação Nacional de Municípios, da Federação Portuguesa de Ciclismo, da MUBI, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e da ABIMOTA.
A Greenvolt Comunidades e a Sociedade Ponto Verde são os patrocinadores. A iniciativa conta ainda com parcerias com a Bikezone, Decathlon, Geonatlife, Sponser Sport Foods, Catlike, Biolectra Magnesium e Panvitol da Azevedos e da Topcycling.pt. A empreitada não fica barata e foi criando ainda um projeto de roclha de fundos online, disponível no aqui.