Da "tranquilidade" das ruas pedonais "ao caos" da Margem Sul em 4200 quilómetros de bicicleta
O ciclista Tiago Cação arranca segunda-feira de Castelo Branco para mais uma etapa da volta a Portugal pela sustentabilidade. Em 26 dias, percorreu mais de quatro mil quilómetros e entregou uma carta com 10 propostas para uma mobilidade mais sustentável, que defenda a qualidade de vida das pessoas, em 214 autarquias até ao momento.
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No fim da semana europeia da mobilidade de 2025, Tiago Cação confessa a "tristeza" de ver que "está quase tudo por fazer" neste capítulo em Portugal, após cerca de 1500 quilómetros percorridos de bicicleta nos últimos sete dias, por vários municípios, dos 29 que leva a pedalar. "Encontrei algumas iniciativas espalhadas pelo país, principalmente dentro das câmaras, mas são muito poucas. Esta semana, são raríssimos os locais que estão a promover a mobilidade", acrescentou.
Com o objetivo de facilitar um debate alargado sobre a necessidade da mudança de comportamentos relativamente à mobilidade, em especial na utilização do automóvel particular, a Semana Europeia da Mobilidade surgiu na sequência da diretiva europeia 96/62/EC relacionada com a qualidade do ar nas cidades. Portugal fez parte do grupo de países que lançaram esta iniciativa pela primeira vez à escala europeia, em 22 de setembro de 2000.
Passaram 25 anos e Tiago Cação, com milhares de quilómetros feitos em cima de uma bicicleta por várias regiões do país constata "que está tudo o que fazer" em Portugal. Daí a importância do Projeto 278, em referência ao total de autarquias de Portugal continental onde vai deixar a carta, ao longo de 6250 quilómetros a pedalar. Até agora, a missiva chegou a 214 municípios. "Acho que vale sempre a pena tentar passar a mensagem. Em altura de eleições autárquicas, era importante que esta questão entrasse nos debates. Espero conseguir fazer com que isso aconteça", disse o ultraciclista, que durante o percurso foi recebido por alguns autarcas. "Já há expectativa das câmaras municipais para ver para quando chego", sublinhou.
Sinal e que a mensagem está a chegar. "Obviamente as pessoas que fazem a questão de me receber já estão sensibilizadas para esse assunto. Mas o importante é que leiam a carta, e que os que ganhem as eleições, pelo menos, implementem das quatro ou cinco das 10 medidas" que defendem modelos de mobilidade urbana que priorizem a sustentabilidade, a saúde, a segurança e a qualidade de vida da população. A bicicleta, como meio de transporte, é um pilar central nessa transição que oferece uma solução de baixo custo, ambientalmente responsável e capaz de transformar as cidades, defende.
O melhor e o pior que tem encontrado
Com 4500 quilómetros percorridos, o selim de Tiago Cação é um local privilegiado para observar o país. "Para mim é uma alegria entrar nos centros da cidade e encontrar ruas pedonais. As ruas estão cheias, as pessoas estão nas esplanadas, a fazer compras. Há toda uma tranquilidade", disse, desafiando os políticos a arriscar na mudança. " Em todos os centros históricos com ruas pedonais o comércio está sempre cheio", observou.
Paredes, terra do presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Cândido Barbosa, que apoia a iniciativa de Cação é apontada como um exemplo positivo, apesar de "haver ainda alguma resistência por parte da população, que de certa forma é compreensível", destaca Cação, que, pela negativa, destaca a margem sul de Lisboa. "É trágico. Foram os piores dias de viagem. Há trânsito caótico. Ciclovias que começam num sítio e acabam num monte, uma esquizofrenia", disse. "Estamos a falar de uma zona completamente plana, em que vive quase um milhão de pessoas, talvez. Um sítio perfeito para executar as 10 medidas que propomos", disse.
Da cama de hospital ao selim em três meses
A pedalar normalmente, à média pré-estabelecida de 250 quilómetros por dia, Tiago Cação espera terminar o périplo por Portugal no dia 28, em Lisboa. A volta a Portugal pela sustentabilidade termina com três meses de atraso em relação ao previsto, depois de um interregno devido a doença. Em junho, ao fim de 340 quilómetros nas primeiras 29 horas a pedalar, Tiago Cação foi atirado para uma cama de hospital, devido a uma pneumonia grave, que o deixou em coma. "Depois do que me aconteceu, cada dia que passa é uma vitória. Fisicamente, graças a Deus, não me deixou mazelas. Mas psicologicamente, afetou-me imenso", recorda.
"Como o corpo deu o sinal que estava bem, decidi encarar esta viagem a viver o dia-a-dia. Portanto, se conseguir concluir seria perfeito", disse Tiago Cação, que voltou à bicicleta a 5 de setembro, três meses depois da partida inicial, a 2 de junho, da praça General Humberto Delgado, junto à Câmara Municipal do Porto. O percurso pode ser acompanhado ao vivo neste link.
Ryan Le Garrec, realizador belga que está a acompanhar e documentar a viagem de Tiago Cação, substituiu o ultramaratonista e fez o percurso de bicicleta de cerca de 110 quilómetros entre Barcelos, onde Tiago Cação ficou internado, e Guimarães, entregando cartas a sete autarquias. O interregno por doença teve custas financeiras extraordinárias que levaram Cação a reativar um pedido de financiamento popular, "crowdunfing", que pode ser encontrado aqui. À data angariou 925 euros, ainda aquém dos 8500 que necessita para cobrir as despesas com a empreitada de levar a palavra da mobilidade sustentável a um país ainda muito dependente do automóvel particular.