Portugal tem "qualidades únicas" para explorar a fileira das baterias, desde a exploração do lítio até à reciclagem, diz Maros Sefcovic. O vice-presidente da Comissão Europeia esteve em Lisboa, na semana passada, e reuniu-se com estudantes da Universidade de Coimbra.
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Portugal tem uma das maiores reservas de lítio da Europa, mas são pequenas, comparando com as do Chile ou Bolívia. Que parte da necessidade europeia poderá ser fornecida por Portugal?
Tenho que olhar para o contexto mais lato, de uma nova indústria na Europa. A Aliança Europeia para as Baterias começou há três anos e hoje somos o principal destino de investimento. No último ano, o investimento foi de mais de 60 mil milhões de euros, três vezes mais do que a China. Significa empregos de alto valor acrescentado: a indústria procura 800 mil pessoas. Portugal é muito importante porque tem qualidades únicas.
Está a referir-se à mineração?
Estou a falar de várias coisas. É líder nas renováveis: se forem fabricadas em Portugal, as baterias terão uma pegada de carbono pequena. Tem portos de águas profundas, pode ser um hub global. E, quanto às reservas de lítio, as maiores são as vossas e as sérvias. Nos quatro projetos em discussão (República Checa, França, Portugal e Espanha), em 2025 poderemos cobrir 80% das necessidades de lítio. Portugal quer toda a cadeia de valor: extrair o lítio (de forma ética e sustentável), produzir baterias e, claro, a reciclagem.
Quanto dos 80% virá de Portugal?
Não quero dar um número de memória. Só para ver a dinâmica: em 2030, vamos precisar de 18 vezes mais de lítio do que consumimos hoje e, em 2050, de 60 vezes mais. É um crescimento gigantesco.
ONG ambientais dizem que as reservas nacionais são tão pequenas que o benefício não compensa o custo de minas a céu aberto. O projeto faz sentido?
Se não fizesse sentido, não teria investidores interessados. Se chegar à extração, Portugal será o único local na Europa a refinar lítio. Não há uma única na União Europeia, todo o lítio é refinado e importado do Chile. Seria uma oportunidade única! E os planos são para um investimento de mil milhões de euros, próximo à cidade do Porto, que tem um porto e terá uma refinaria. No que toca à indústria extrativa, o que é importante - para a Comissão Europeia, o Governo e a população local - é a aceitação social do projeto.
Gostaria de o questionar sobre isso, mas clarifique: a refinaria no Porto de que fala é a da Galp?
Há planos para a refinaria, que tem que ser remodelada. Os players mais importantes são a Galp, e EDP, estão a cooperar de forma muito próxima com empresas como a Northvolt, da Suécia.
Significa transportar o lítio em bruto, por mais de 100 quilómetros, para ser refinado. Faz sentido, em termos ambientais?
Agora estamos a importar do Chile ou da China! As emissões são globais, neste aspeto, fará claramente sentido. Vamos produzir e refinar lítio de acordo com os padrões éticos e ambientais mais elevados. As baterias terão um passaporte digital, com dados sobre como foram feitas, se os padrões éticos e ambientais foram respeitados e, claro, tem que ter apoio social. Em Portugal (e não só), as pessoas tiveram experiências muito negativas com a indústria extrativa.
A população opõe-se....
Se a comunidade local não vir benefícios no projeto (empregos de alta qualidade e melhoria das condições de vida), compreendo a oposição ao projeto. Por isso, estamos a preparar uma Mesa Redonda sobre Mineração Sustentável. A comunidade local tem que estar de acordo e tem que haver uma responsabilização clara sobre qualquer dano ou consequências negativas da mineração. Os tempos em que se escavava o ouro e se deixava o fosso já acabaram! Ninguém apoiaria esse projeto, eu seria o primeiro a ser contra. É claro que uma empresa que lucra com o processo tem a obrigação absoluta de restaurar a natureza e a paisagem.
Está então a dizer que as comunidades locais têm que estar de acordo para que a Comissão financie o projeto?
Sem dúvida. É parte de qualquer estudo de sustentabilidade, dos procedimentos de licenciamento.
E se nunca concordarem?
Se nunca concordarem, não haverá projeto, é muito claro. Fica a cargo dos promotores mostrar que é benéfico para a comunidade. A legislação europeia obriga a um estudo de sustentabilidade e a consulta pública. As licenças são dadas pelas autoridades locais. Todos têm que estar de acordo. Sem apoio da população local, o projeto não pode prosseguir.
Estará [na semana passada] numa reunião para a qual só foi convidada uma [Savannah] das duas empresas em fase de estudo de impacto ambiental. Está confortável, sabendo que uma foi excluída [LusoRecursos]?
A reunião é organizada pela InnoEnergy para apresentar uma empresa integrada verticalmente. Vou ouvir, ainda não conheci os representantes das empresas. As participantes querem criar uma empresa integrada verticalmente: da matéria-prima e transformação à produção das baterias e reciclagem - toda a cadeia de valor. É o que traz maior valor acrescentado.
As ONG dizem que a Europa não está a fazer o suficiente para reduzir o consumo e reciclar baterias. Concorda?
Discordo fortemente! Não encontra quadro legislativo comparável, em qualquer parte do Mundo. Os edifícios novos têm que ser eficientes do ponto de vista energético, temos que reduzir o consumo de energia numa certa percentagem... Dos 750 mil milhões de euros do novo instrumento [financeiro, o NextGenerationEU], 37% são para projetos ligados ao ambiente. Sem baterias, não se pode construir uma Europa neutra, do ponto de vista do carbono: podemos ter energia do sol e do vento, mas nem sempre há sol e vento. É preciso armazenar.
O Reino Unido é o quarto maior destino das exportações portuguesas e 84% das empresas dizem que o ambiente de negócios piorou. Há entraves que ainda podem ser solucionados?
Depende dos parceiros britânicos. Deixaram o mercado único, a união aduaneira, o sistema fitossanitário e não querem respeitar o Tribunal de Justiça Europeu. Reintroduzimos o controlo fronteiriço, para proteger a saúde pública a segurança animal. Estamos a discutir o assunto, há muitas queixas das empresas. Estamos abertos a um alinhamento sanitário e fitossanitário temporário, mas a proposta não foi aceite. A lista em que estamos a trabalhar é longa e espero que a resolvamos de forma construtiva, apesar desta fase difícil.
Encontrou-se com estudantes da Universidade de Coimbra. Que mensagem recebeu?
Várias. Beatriz disse que os estudantes são resilientes e estão motivados, neste ambiente online. É responsável pelo Erasmus e fiquei impressionado com a sua preocupação com as condições oferecidas aos estudantes brasileiros. Segundo Luís, um estudante de doutoramento tem sugestões para garantir que os doutorandos não são só vistos como especialistas académicos, através de estágios especiais ou apoios às empresas. E claro, falamos sobre o futuro do mercado do trabalho. Devemos taxar os robots? Como nos preparamos para a inteligência artificial?
Devemos taxar os robots?
É importante encontrar equilíbrio para não limitar ganhos de eficiência de novas tecnologias, com uma taxação justa. Não podemos ter multinacionais gigantescas a ganhar milhões e não pagar impostos.