Turismo e transporte no topo das exportações. Setor teme impacto de perda de poder de compra dos americanos.
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Em contraciclo com a União Europeia, Portugal regista um excedente comercial de serviços com os Estados Unidos, alavancado pelo turismo e pelos serviços de transporte. Se somarmos as transações de mercadorias, os serviços respondem por quase 70% daquele saldo. Que se retraiu já, nos primeiros dois meses deste ano, sob a ameaça da nova política tarifária de Donald Trump. Com o turismo a responder por um quinto do total das exportações e por 30% do excedente com o mercado norte-americano, importa atentar ao risco de recessão e consequente impacto no poder de compra. Sabendo-se que o Fundo Monetário Internacional elevou a probabilidade de uma recessão nos EUA de 25% para 40%.
O JN trabalhou os dados mensais facultados pelo Banco de Portugal, tanto para serviços como para bens. Em linha com o divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, nos dois primeiros meses deste ano o excedente comercial com os Estados Unidos recuou, sobretudo por via das mercadorias, sendo que, no ano passado, foi o país com quem Portugal teve o maior saldo. De um excedente total, em janeiro e fevereiro, de 855 milhões de euros, os serviços respondiam por 69%. Contudo, face a período homólogo do ano passado, diminuiu 7%, para 587 milhões de euros, dos quais 45% afetos ao turismo.
Mas que serviços compra e vende Portugal aos Estados Unidos? Do lado das saídas, o top 3 é liderado pelas viagens e turismo, nos 138 milhões em fevereiro passado; pelos serviços de transporte, nos 115 milhões de euros; e outros serviços, como consultoria, nos 75 milhões. Quando às importações, começam, no período em análise, pelos serviços de transporte (50 milhões), seguindo-se outros serviços (33 milhões) e viagens e turismo (13 milhões).
“Muito precoce”
Para Ana Paulo Africano, professora da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é “muito precoce” tirar “conclusões” da descida registada no início do ano. Do lado dos serviços, concretamente do turismo, o “risco é perder algum dinamismo que se estava a desenvolver”. Segundo a economista, no ano passado o mercado norte-americano foi dos que mais cresceu (14%), respondendo por “sensivelmente 10% do total das exportações de turismo”.
Daí o foco na recessão. Porque o “turismo acaba por ser afetado porque há mais instabilidade”. Sendo “um consumo secundário”, quando é preciso cortar nas despesas “corta-se nas deslocações ao exterior”. Sendo que, nota Ana Paulo Africano, “o turista americano é sempre bem-vindo porque a sociedade americana tem, em geral, um comportamento consumista que outros países não têm; onde vão gastam muito dinheiro”.
Também o presidente da Confederação do Turismo de Portugal teme que, embora o setor não seja diretamente afetado pelas tarifas, os efeitos desta guerra comercial possa “acarretar uma crise, quer para o mercado americano, para as suas pessoas, e falta de poder de compra é diminuir consumo”. Em declarações recentes à Lusa, Francisco Calheiros destacou ainda o facto de se tratar de um mercado “com grande poder de compra e que fica mais pernoitas do que é habitual”.
Maioria com tarifas entre 0 e 2%
O Banco de Portugal foi avaliar a exposição das exportações nacionais ao mercado norte-americano, concluindo que “perto de 70% do valor dos bens exportados por Portugal para os EUA enfrentam tarifas entre zero e 2%”. Contudo, “6% do valor das exportações está afetado por tarifas iguais ou superior a 10%”. Sendo que o impacto de um “eventual agravamento dependerá de fatores como a magnitude do aumento das taxas aduaneiras sobre cada tipo de bem e o peso destes nas exportações de Portugal”.
Numa análise divulgada no boletim económico de março, a instituição liderada por Mário Centeno foi ainda aferir quais os setores com elevada exposição ao mercado americano (dados para 2023). Numa tabela liderada pelas empresas de fabricação de têxteis (11,9%), fabrico de outros produtos minerais não metálicos (como vidro, 11,5%), indústria das bebidas (9,6%), equipamentos informáticos (8,4%) e indústria do couro (7,8%). De referir que produtos químicos, combustíveis minerais e produtos farmacêuticos são os mais exportados para os EUA.