Relatório da AGIF alerta para a existência de “fragilidades crónicas” na gestão de eventos complexos, em que a resposta em setembro de 2024 tornou evidentes.
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Os fogos que em setembro do ano passado devastaram as regiões Norte e Centro do país tornaram evidentes “fragilidades crónicas” na coordenação entre entidades e “debilidades” na gestão em simultâneo de vários eventos complexos, agravadas pela “incompleta gestão dos espaços rurais”, alerta um relatório ontem entregue ao Governo. A maioria da área (92% dos 137 667 hectares) ardeu em setembro, altura em que se registaram 16 vítimas mortais, prejuízos em empresas, habitações e floresta. O incendiarismo foi a causa de mais de 80% dos hectares consumidos (ver caixa).
Segundo o Relatório de Atividades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais 2024 da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), entregue ao Governo, apesar de avanços positivos nos últimos anos, os incêndios de 2024 vieram “expor fragilidades crónicas” que documentos anteriores já identificavam e que não permitem, ainda, assegurar a visão até 2030 de um “Portugal protegido de incêndios rurais graves”.
As condições meteorologias adversas, “combinadas com uma resposta operacional que enfrentou desafios na antecipação, comunicação e mobilização de recursos, contribuíram para a propagação de incêndios de grande escala, especialmente no Norte e Centro litoral”. A resposta dada apresentou “algumas debilidades, nomeadamente na capacidade instalada para gerir com eficácia em simultâneo vários eventos complexos, agravadas pela incompleta gestão dos espaços rurais, necessidade de mais fiscalização, sobretudo nas zonas de interface urbano-rural e também de programas mais eficazes de segurança comunitária”, lê-se no documento.
Alerta 72 horas antes
Apesar de o alerta de risco extremo ter sido emitido com 72 horas de antecedência, “problemas na coordenação estratégica limitaram a preparação, enquanto dificuldades sentidas na cooperação entre entidades nacionais e regionais dificultaram a organização dos recursos”, especifica o relatório, sublinhando que os eventos extremos de setembro destacaram, assim, “a vulnerabilidade do sistema a picos de severidade meteorológica”.
A AGIF sublinha que os incêndios de setembro “expuseram, mais uma vez, fragilidades crónicas”, como garantir a “capacidade de antecipação, planeamento e comunicação”, assegurar o “comando e controlo das operações, das múltiplas equipas envolvidas, garantindo a especialização e o emprego das técnicas perimetrais com ferramenta, fogo e maquinaria” e “reforçar a qualidade da decisão na gestão dos recursos de vigilância, supressão e logística”.
Já em outubro passado, um relatório de avaliação dos fogos, elaborado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), admitia a existência de “constrangimentos” e “fragilidades” e apontava a “existência de demasiadas entidades a fazer a mesma missão e pouco recetivas à coordenação, comando e controlo” da ANEPC. Alertava, igualmente, para a necessidade de melhorar a “gestão organizacional” e de se “implementar no sistema novos métodos”.
Ainda que após 2017 – em junho ocorreram os incêndios de Pedrógão Grande e em outubro, fogos no Centro e Norte – se tenha assistido a uma diminuição no número de ignições e de grandes incêndios, em algumas regiões mais arborizadas, como o Norte e o Centro litoral, o abandono de terras e a insuficiente gestão florestal conduziram “a resultados dramáticos”, sobretudo na sequência de incêndios não extintos no ataque inicial.
No relatório alerta-se para o “paradoxo”. “Ao termos muito sucesso a reduzir o número de incêndios, sem gerir ativamente o pós-fogo, nomeadamente de 2017, e sem intervir com escala na restante área verde, deixámos acumular nos últimos seis anos, também com menos área ardida, vegetação fina, arbustiva e arbórea”. Esta vegetação irá “alimentar incêndios mais rápidos e severos que podem queimar mais de 750 mil hectares num só ano”, assim como “destruir locais únicos e ameaçar relevantes infraestruturas e comunidades urbanas”.
Tomada de decisão
Entre as melhorias que são necessárias estão a qualificação e capacidade na tomada de decisão, recuperação de áreas ardidas, diminuição dos incentivos à construção em zona de interface e reforço da dimensão de gestão da ANEPC.
A AGIF diz que é preciso “alinhar as políticas públicas e estímulos para valorizar os recursos florestais e conferir estabilidade na gestão do território”, assegurar a “articulação operacional e financeira das instituições e a revisão dos estímulos aos privados em todos os níveis territoriais” e executar o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais.