Até outubro realizaram-se menos 112 mil cirurgias e menos 22 milhões de exames. Médicos e administradores hospitalares pedem plano urgente para doentes não covid.
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Tudo começa nos cuidados de saúde primários, com os médicos de família praticamente afetos ao seguimento de doentes covid. Com menos 6,6 milhões de consultas presenciais, não há referenciação para os hospitais. Pelo meio, faltam rastreios e exames complementares. As cirurgias contam-se em menos 112 mil.
O impacto da pandemia no acesso a cuidados de saúde é escalpelizado, esta quarta-feira, pela Ordem dos Médicos e pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) no Parlamento. Reafirmando a urgência de um plano para os milhares de portugueses que não têm covid.
Dissecando os números. Nos primeiros dez meses deste ano, centros de saúde e hospitais estavam a realizar, em média, menos 37 mil consultas presenciais por dia. Com o ónus sobre os cuidados de saúde primários, onde as presenciais caíram 38%. Compensadas pelas não presenciais, que dispararam quase para os 15 milhões, mas que os médicos não tomam como ato clínico, ao contrário da Telemedicina, com números residuais. Nestes milhões, o acompanhamento de doentes covid (através de contactos telefónicos) responde por uma fatia de leão.
E é precisamente aqui que está a origem do problema, identifica o bastonário. "Os médicos de família estão, na sua maioria, a acompanhar doentes covid. Não fazem a sua missão, que é ver os doentes da sua lista, diagnosticar, rastrear e encaminhar". Miguel Guimarães volta a pedir que estes clínicos sejam libertados daquele acompanhamento, bem como do trace-covid, para que possam acompanhar os seus utentes. Priorizando-os, acrescenta o presidente da APAH.
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Não havendo acompanhamento de doentes, caem as referenciações para os hospitais, com menos meio milhão de primeiras consultas. "A partir do momento em que há um bloqueio nos cuidados de saúde primários, os hospitais não têm referenciações para primeiras consultas", explica Alexandre Lourenço. Um "adiamento na obtenção de cuidados de saúde", que se torna uma "bola de neve" e traduz-se na mortalidade. A covid responde apenas por um terço do excesso de óbitos. Cerca de dois terços da sobremortalidade acontece fora dos hospitais. Causa-efeito não se sabe, sendo urgente, avisa o administrador, estudar essas causas de morte.
Menos cirurgias e vai piorar
Pelo meio, e de acordo com os dados que o Movimento Saúde em Dia hoje leva aos deputados, fizeram-se menos 22 milhões de exames e análises. Estimam-se em menos 119 mil as mamografias realizadas. E a atividade cirúrgica caiu 19%. "E, com a suspensão da atividade programada em novembro, será pior", frisa o bastonário dos médicos. Com a segunda vaga (outubro) a impactar, depois de, em setembro, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se ter aproximado dos valores de 2019.
Reportando apenas ao primeiro semestre, os dados do Portal da Transparência mostram que eram já mais de 64 mil os utentes à espera de uma cirurgia fora dos tempos legais, num crescimento de 36% face a período homólogo. Mas, aqui, avisa Alexandre Lourenço, corre-se até o risco de, neste ano, termos o mais baixo número de inscritos, na medida em que não estão a ser encaminhados.
Chegados, então, à segunda parte do problema. Miguel Guimarães e Alexandre Lourenço apelam à planificação e à contratualização. "Temos que aproveitar a capacidade instalada no país. Primeiro, o público. Depois, o privado e social", diz o bastonário, defendendo que se ponham ideologias de parte. Contratualização essa, frisa o presidente da APAH, feita com critério: olhando a patologias e a regiões. Numa "resposta em rede e não arbitrária", conclui.