Custos com convencionados subiram 65% de 2019 para 2022. Médicos de família denunciam atrasos e queixas dos utentes à reguladora estão a crescer.
Corpo do artigo
No ano passado, os encargos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com exames clínicos prescritos pelos médicos de família e realizados no setor convencionado aumentaram 65% face ao período pré-pandemia (2019), para um total de 744 milhões de euros. Nunca se gastou tanto com meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), mas o acesso piorou. Os doentes têm cada vez mais dificuldade em marcar exames, seja nos convencionados ou nos hospitais.
Os custos já tinham disparado em 2021, passando de 440 milhões de euros em 2020 para cerca de 711 milhões e voltaram a crescer em 2022, como indicam os dados do Portal do SNS. Ao JN, o Ministério da Saúde diz que a avaliação dos encargos com MCDT nos convencionados "pela sua complexidade e contexto multifatorial" requer uma análise detalhada, "que está em curso". E salienta que, no ano passado, houve uma elevada incidência de covid-19, que obrigou a reforçar a estratégia de testagem.
Para quem está no terreno, o aumento dos encargos não se traduziu em melhorias na resposta, pelo contrário. Os médicos de família garantem que o acesso está "muito pior" do que antes da pandemia. O que há uns anos se fazia em semanas, agora demora meses.
Também a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem registado mais reclamações sobre tempos máximos de resposta garantidos para MCDT nos convencionados ou sobre resposta em tempo útil/razoável. Foram 207 em 2020, 238 em 2021 e 287 no ano passado. Este ano, soma 54 queixas, respondeu a ERS ao JN.
"Pedimos exames aos doentes e notamos que têm muita dificuldade em trazê-los em tempo útil", refere o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Nuno Jacinto explica que a realidade não é igual em todo o país, nem para todos os exames. Pegando na sua "realidade", em Évora, nota que um eletrocardiograma é fácil, mas um ecocardiograma já é "muito difícil". As TAC, às vezes, são mais fáceis de realizar do que as ecografias e as colonoscopias são "dificílimas". "De uma forma genérica, podemos dizer que a resposta piorou nos últimos anos", remata, considerando que os atrasos "perturbam os diagnósticos e a capacidade de intervir eficazmente".
André Biscaia, médico de família e presidente da USF-AN, confirma, notando que são "perceções empíricas" porque não há monitorização destes tempos de espera. Nas análises clínicas não há problemas, mas na radiologia, nas colonoscopias e nas endoscopias há.
"No pós-pandemia a situação está muito pior. Nunca tive dificuldade em obter uma ecografia renal ou abdominal, os doentes conseguiam fazer de uma semana para a outra, agora são meses", relata o médico, que trabalha em Cascais, considerando que estas dificuldades "merecem uma reflexão" porque "limitam a capacidade de diagnóstico".
setor diz estar "asfixiado"
Os prestadores de saúde reconhecem "um ligeiro aumento" dos tempos de espera, mas garantem que "o setor convencionado continua a dar uma resposta muito efetiva". "Estamos dentro dos tempos máximos fixados", assegura o secretário-geral da Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde. Ainda assim, António Barros Neves confirma "um acréscimo da procura", que não tem sido acompanhado de um aumento da capacidade instalada porque o setor convencionado está financeiramente "asfixiado". As tabelas de preços, explica, estão "cristalizadas", não são atrativas para novos operadores e a duração das convenções (anual) não dá previsibilidade às empresas para fazerem investimentos, que permitiram aumentar a resposta.
Saber mais
Aumento da procura
A recuperação da atividade programada (consultas e cirurgias), depois de uma quebra acentuada em 2020, contribuiu para o aumento das prescrições de exames de diagnóstico e terapêutica em 2022. Também os testes à covid (em dezembro de 2021, a tabela de convencionados das análises clínicas passou a integrar os testes rápidos de uso profissional) sustentam a subida. O envelhecimento da população e a consequente necessidade de mais cuidados de saúde também contribuem para o aumento dos exames.
Menos convenções
O número de prestadores de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) com convenção com o SNS tem vindo a diminuir. Em 2021, eram 998, menos 41 do que em 2020, segundo o Relatório Anual de Acesso aos Cuidados de Saúde no SNS e entidades convencionadas de 2021.
Tempos máximos
Há alguns MCDT para os quais foram definidos tempos máximos de resposta garantidos: 30 dias para cateterismo e pacemaker cardíaco, exames de medicina nuclear e angiografia diagnóstica; 90 dias para TAC e 15 dias para tratamentos de radioterapia.