
A intenção do Governo em cortar na despesa do SNS em 1,6% torna-se uma meta quase impossível
Foto: Orlando Almeida
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai ter o maior défice de sempre quando chegar a 31 de dezembro, apesar das injeções de milhões de euros do Governo durante o ano. Em 2026, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, prepara-se para cortar na despesa, mesmo com toda a polémica associada.
Segundo dados da síntese da execução orçamental de outubro, a dois meses do final de 2025, o SNS está a 130 milhões de euros de bater o défice que já foi recorde o ano passado, com 1 377 milhões de euros. A Entidade Orçamental do Ministério das Finanças indica que o organismo acumulou um défice de 1 246 milhões de euros desde janeiro até outubro, o que bate de longe da concretização das previsões do Governo, quando aprovou o Orçamento do Estado para este ano, que previa um aumento da despesa corrente da Saúde de 5,7%, abaixo dos 6,6% de subida de receita.
Mas o que está acontecer é exatamente o contrário: os gastos correntes estão a subir 10,2% e as receitas 6,1%, a ritmos completamente contrários às previsões, pelo que será natural que cheguemos a 31 de dezembro com um novo défice recorde.
As contas não são piores porque o Governo tem feito várias injeções de capital no SNS à margem do Orçamento, batendo também outro recorde: 1 378 milhões de euros até novembro. Este dinheiro tem sido destinado ao pagamento de dívidas em atraso aos fornecedores, mas também a gastos com pessoal, que seguem a subir 11,2% ou mais 592 milhões de euros, remunerações que serão certas e permanentes todos os anos.
Entre os motivos que levaram ao aumento da despesa destacam-se as valorizações remuneratórias aplicadas ao funcionamento das unidades de saúde familiar, à dedicação plena no SNS, alterações da estrutura remuneratória das carreiras especiais médica, enfermagem e farmacêutica ou o suplemento aos médicos para assegurar o funcionamento dos serviços de urgência.
Cortar na despesa
Com estes dados em cima da mesa, a intenção do Governo em cortar na despesa do SNS em 1,6% torna-se uma meta quase impossível, apesar de a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, confiar no trabalho do juiz Carlos Alexandre para combater a fraude no sistema, com que estima poupar 800 milhões de euros em três anos de mandato, e de ter indicado à Direção Executiva do SNS uma redução das despesas em 10% em fornecimentos e serviços externos, sendo que os hospitais não poderão ultrapassar a produção registada este ano, mesmo que isso implique abrandar o ritmo de consultas e cirurgias.
A 29 de outubro, o jornal "Público" dava conta que a orientação foi transmitida aos administradores das Unidades Locais de Saúde e que o corte abrange compras de medicamentos, material clínico, contratação de tarefeiros e exames realizados no setor convencionado. O objetivo é compensar o aumento de 5% na despesa com pessoal, estimado em mais 370 milhões de euros devido à valorização das carreiras e aos aumentos salariais da função pública.
Por os hospitais não poderem ultrapassar a produção registada em 2025, espera-se um agravamento das listas de espera. No final de junho, quase um milhão de utentes aguardavam por uma primeira consulta, mais 25% do que no ano anterior, e a espera por cirurgias oncológicas subiu 4,7%. Além dos cortes, foi também transmitida a orientação para "contratações zero" em 2026, agravando as preocupações com a capacidade de resposta do SNS no próximo ano.

