Associação considera o valor cobrado elevado e diz que vagas são ocupadas por casos sociais ou por pessoas que não estão dependentes de cuidadores.
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Num universo de 8122 cuidadores informais reconhecidos pelo Estado até 31 de março, apenas 24 pessoas estiveram internadas, há dois anos, na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), e 181 no ano passado, para permitir o descanso dos seus cuidadores. Os dados disponibilizados ao JN pelo Ministério da Segurança Social revelam ainda que, em média, cada utente pagou 20,56 euros por dia e que os internamentos variaram entre 30 e 90 dias.
A comparticipação dos encargos do apoio social é determinada em função do rendimento do agregado familiar, pelo que houve utentes que nada pagaram para terem acesso à RNCCI. Contudo, se se considerar o pagamento médio de 20,56 euros por dia, cada utente gastou 616 euros por mês. Ou seja, o dobro do subsídio atribuído aos cuidadores informais, cujo valor médio é de 310 euros mensais.
Maria dos Anjos Catapirra, vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, considera que, face ao valor cobrado, "poucas pessoas" têm condições para beneficiar do descanso do cuidador, pelo que nem sequer o solicitam. "Conheço um casal a quem pediram 900 euros por mês, o que correspondia à reforma dos dois. Como é que depois iam pagar a renda e as outras despesas?".
Falta de controlo
Defensora do descanso a custo zero, Maria dos Anjos garante que é dada prioridade a quem pode pagar e denuncia a ocupação indevida de vagas nos cuidados continuados das IPSS. Nuns casos, por idosos que são abandonados nos hospitais e, noutros, por pessoas que não estão dependentes de um cuidador, para que as instituições possam receber o apoio da Segurança Social.
"Não consigo provar isto, mas sei que acontece. As IPSS fazem o que querem, porque não há um controlo efetivo".
Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias, confirma que, nos últimos anos, têm sido "drenados" para os lares da Misericórdia os "casos sociais dos hospitais", ao abrigo do pacto da cooperação. "O Estado gasta rapidamente essas vagas da Segurança Social, pois temos a maior taxa de envelhecimento da Europa", justifica. "A pressão é enorme. Precisávamos de mais lares e de ter outras respostas, como mais apoio domiciliário, que não funciona ao fim de semana".
Ou temos dinheiro ou então podemos esquecer
Cuidadora formal e informal, Ana Oliveira, 50 anos, procurou um espaço onde o pai pudesse recuperar a mobilidade e fosse bem acompanhado, após ter tido alta de um hospital de Lisboa, onde entrou com uma infeção respiratória. Visitou os lares indicados pelas assistentes sociais, mas nenhum lhe agradou, apesar de o mais barato custar dois mil euros por mês. Só mais tarde soube que podia recorrer à rede de cuidados continuados, possibilidade que nunca lhe foi apresentada pelas assistentes sociais, durante os mais de dois meses em que andou à procura de uma solução para o pai, que sofria de Alzheimer.
"Preenchi os papéis e fiquei na lista a aguardar vaga, mas, infelizmente, não chegou a tempo", lamenta Ana. "O valor era de 1600 a 1700 por mês, com tudo incluído. Ia ser muito complicado, mas a minha expectativa é que fosse por pouco tempo e depois o pudesse trazer para casa", explica. "Ou temos dinheiro ou então podemos esquecer. O descanso do cuidador não é para a classe média, é para a classe alta".
Autarquias que garantem descanso
Porto
Pausas Breves para Cuidar Melhor permite aos cuidadores descansarem ou ausentarem-se de casa, duas horas de 15 em 15 dias.
Cascais
Cascais Cuida permite ao cuidador descansar ao prestar cuidados ao domicílio. O internamento temporário assegura cuidados mais tempo, em contexto institucional ou no domicílio, quando o cuidador tem de se ausentar.
Esposende
Cuidar de Quem Cuida dá apoio aos cuidadores informais de pessoas com demência ou em situação de pós-AVC, através de uma bolsa de cuidadores formais, redes de voluntariado e descanso do cuidador.
Santa Maria da Feira
O Centro de Apoio à Vida Independente disponibiliza assistência pessoal a pessoas com deficiência ou incapacidade que, de outra forma, estariam adstritas aos seus cuidadores informais.
Trofa
O Projeto Cuidar disponibiliza serviços de bem-estar e momentos de pausa, através de uma bolsa de cuidadores que dão um apoio por períodos de curta duração.
Odemira
Cui(Dar)+ promove o descanso do cuidador informal.
Saber Mais
33,36 euros por dia foi o valor máximo cobrado na RNCCI a partir de julho de 2021. No ano anterior, esse montante foi de 31,47 euros e, em 2019, de 31,38 euros. Estas verbas não refletiram a "diferenciação positiva" prevista na lei para os cuidadores por não ter sido ainda regulamentada.
O que diz o estatuto?
O Estatuto do Cuidador Informal prevê o direito a 30 dias de descanso, com base numa avaliação técnica ou a pedido do cuidador. Contudo, o número de camas afetas a este efeito está omisso na lei.