Filho recebe o salário mínimo, o que a impede de ter acesso a RSI. Só tem ajuda do Banco Alimentar.
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O olhar assustado e as mãos trémulas de Anabela Correia contam a história de uma vida marcada pela depressão e pobreza. Hoje, com 62 anos, está num limbo. Não tem direito a rendimento social de inserção (RSI) porque o filho, com quem vive, ganha o salário mínimo e só poderá receber pensão social de velhice quando fizer 66 anos. Sem qualquer apoio do Estado, vive da escassa ajuda do Banco Alimentar contra a Fome e da Santa Casa da Misericórdia, que lhe fornece medicamentos para a depressão, problemas renais e dos ossos.
É num rés do chão com pouca iluminação, na Ajuda, em Lisboa, que Anabela passa a maior parte dos seus dias a fazer contas à vida. O cheiro a mofo e o silêncio pesado contrastam com o dia soalheiro e agitado lá fora. Sai muito pouco e percebe-se a desmotivação. "Só terei direito à reforma daqui a três anos. E até lá, vivo de quê?", questiona.
Durante alguns anos fez limpezas, sem descontar, e a saúde foi piorando. "Quando pedia um contrato mandavam-me embora. O pai do meu filho deixou-me quando ele tinha 15 anos. Se não fosse a minha mãe, não tinha forma de o sustentar", recorda. Ainda chegou a receber o RSI, mas perdeu-o quando o filho começou a trabalhar, há dez anos, pouco depois do seu segundo companheiro morrer.
"Não tenho nada, nem um euro. As assistentes sociais dizem que o ordenado do meu filho dá para os dois, mas não dá. Ele paga a renda, que aumentou, água, gás e luz. E sobra pouco", lamenta. Acorda de madrugada e não volta a pregar olho. Sempre teve dificuldades em dormir, o que a levou a tomar antidepressivos desde nova. "É um tormento. Mesmo tomando medicação, não consigo dormir", desabafa.
As preocupações são diárias. Para ir ao Banco Alimentar, tem de apanhar dois autocarros. Em tempos, teve direito a passe, mas hoje já não tem. "As assistentes sociais dizem que não têm obrigação de me dar". De lá, traz pacotes de massa, arroz, duas latas de salsicha e pouco mais por mês. "Estamos inscritos os dois e dão-nos isto: é uma lata de salsichas para cada um. No último mês, também deram uma pera e um kiwi, mas raramente dão. Não como fruta", conta.
No inverno, a situação piora. A elevada humidade, visível nas paredes de praticamente todas as divisões da casa municipal, contribui para a degradação do seu estado de saúde. "As minhas mãos incham e os dedos ficam a ferver", descreve, rodeada pelas fotografias da família na casa onde já viveram cinco. É apenas quando recorda a mãe que o olhar vago e perdido ganha brilho. Anabela emociona-se. "Com a minha mãe não me faltava nada".