Classe média e imigrantes entre os novos beneficiários. Antecipa-se um agravamento das solicitações nos próximos meses.
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O fim dos trabalhos sazonais de verão, as despesas do regresso à escola para quem tem filhos e a contínua subida da inflação fizeram precipitar o aumento dos pedidos de ajuda alimentar. Em várias instituições, os beneficiários são mais do que em anos anteriores e nem todos estão sem trabalho: há pessoas da classe média que não conseguem suportar a subida dos preços e imigrantes com dificuldades de integração. Os responsáveis anteveem uma afluência dos pedidos nos próximos meses e já há listas de espera em alguns locais.
António Cândido da Silva, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome do Porto, aponta que a instituição recebe entre "5 e 10 pedidos de ajuda diários", quando antes da pandemia chegavam aos "40 e 50 por ano". O responsável diz ter havido um "aumento brutal", o que deixa a entidade com "poucas mãos" para "confortar" emocionalmente tantas pessoas. Os alimentos não têm faltado, "o peso do cabaz tem até aumentado", revela ao JN.
Na Legião da Boa Vontade (LBV) são apoiadas entre 270 e 300 famílias por mês em todo o país. A assessora Eduarda Pereira refere que o aumento de pedidos verificou-se "antes de junho" e existem 30 famílias em lista de espera. Apesar de uma aparente retoma económica, com as menores restrições, "os empregos temporários de verão com baixos salários não resolvem os problemas", aponta.
A inflação, conjugada com as "rendas elevadas das casas", não permite a autonomização financeira de vários agregados, acrescenta Eduarda Pereira. Para além dos alimentos, a LBV dá apoio em vestuário, calçado, artigos de higiene e material escolar. A entidade prevê que 600 famílias venham a ter ajuda no Natal.
Apoio pela primeira vez
"Até ao final do mês de agosto tivemos 1237 novos casos", aponta fonte da Assistência Médica Internacional (AMI). No período homólogo de 2021, houve 961 novos pedidos. Os apoios mais prestados no primeiro semestre foram os géneros alimentares, o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas com mais de dez mil utilizações e o refeitório, onde foram servidas quase 80 mil refeições. O acréscimo também se nota na Cruz Vermelha Portuguesa que, em agosto, tinha mais 30% de pedidos do que em igual mês de 2021.
No Banco Alimentar Contra a Fome de Braga, Pilar Barbosa revela ter registado 100 novas famílias a pedir ajuda. E as doações também mostram que os portugueses estão a deixar os produtos mais caros nas prateleiras: dos supermercados têm chegado alimentos como "iogurtes mais elaborados" que não são vendidos.
A tipologia de famílias atualmente a receber apoio alimentar é transversal no país. Se, no passado, eram agregados com rendimentos baixos e filhos, trabalhadores precários e pensionistas com reformas pequenas a precisar de ajuda, hoje há novas realidades.
"O leque de beneficiários é muito vasto: temos muito mais refugiados, estudantes que pagam as propinas mas não têm dinheiro para comer, pensionistas com reformas miseráveis e minorias étnicas", aponta o fundador da Refood, Hunter Halder. A organização - que começou por usar o desperdício alimentar de vários estabelecimentos para ajudar as famílias mais vulneráveis em vários pontos do país - tem acrescentado novas valências ao apoio.
Pior nos próximos meses
O presidente do Banco Alimentar Contra a Fome do Porto dá conta de "muitos imigrantes brasileiros a pedir ajuda". Já Paula Matias, coordenadora da Refood Faro, relata a história de "duas famílias com filhos" que recentemente pediram apoio. São da classe média. "Uma delas tem casa e carro. Ambas as prestações subiram. É uma mãe com uma bebé de nove meses e que, face à inflação, não consegue ter dinheiro para a alimentação. Apresentou-me todos os documentos".
Tanto a presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, Isabel Jonet, como a presidente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas, afirmam que as instituições de solidariedade social não "estão na pressão máxima" dos pedidos de ajuda, mas admitem que há "situações novas". "Na primeira quinzena de outubro, haverá mais clareza" sobre o panorama, conclui a responsável da organização de caridade da Igreja Católica.
Quando o dinheiro não falta apenas para a comida e é preciso comprar fraldas
A Refood adaptou-se às circunstâncias. Durante a pandemia, quando o confinamento ditou o encerramento de muitos restaurantes, teve de recorrer ao Banco Alimentar para continuar a garantir o apoio alimentar. Mas no último ano foi confrontada com outro tipo de necessidades. Inicialmente focada em utilizar o desperdício alimentar de hipermercados ou restaurantes, a organização diversificou a ajuda prestada ao fazer parcerias com outras instituições.
Paula Matias, coordenadora do núcleo de Faro, diz que não é só a alimentação a faltar: há famílias com bebés sem dinheiro para comprar leite infantil ou fraldas. "Trabalhamos com algumas farmácias e o cidadão comum, que sabe destas necessidades, também nos ajuda", aponta ao JN, relembrando o período difícil da pandemia, em que precisaram de mais comida para fazer face aos pedidos. A responsável antevê que o mesmo aconteça este inverno. O fundador da Refood, Hunter Halder, afirma que os núcleos fazem uso da "rede social local" para identificar as necessidades das famílias beneficiárias e ajudar com outros apoios, como roupa.