Todos os dias, o secretário de Estado do Planeamento, José Mendes, escreve sobre a viagem de bicicleta de Bragança a Sagres. Etapa Bragança-Chaves.
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Parti ansioso. E logo pus em prática o plano que levava em mente. Cinco quilómetros, ou um pouco mais de mil pedaladas, para eliminar a ideia de não estar suficientemente preparado. Depois, moderar o debate entre as pernas e o coração, socorrendo-me do efeito conciliador da água com eletrolíticos. Por fim, encontrado o ritmo sustentável, imergir na experiência do território. O mesmo é dizer, deixar que a natureza, o silêncio e os meus pensamentos se fundam.
E haverá melhor cenário do que o Parque Natural do Montesinho para um plano tão bem gizado? Duvido! De Bragança
a Chaves, sobe. E muito. Mas o verde e o silêncio compram o ânimo que a empreitada demanda. Às tantas, sinto inveja dos
castanheiros que me fitam com sobranceria, recordando-me na sua imponência que sempre ali estiveram, que aquela é a
sua casa. E que não se lembram de me ter convidado. Abrando o ritmo para calar os gemidos da corrente da bicicleta. Em
sinal de respeito.
Para fugir à tentação de me imaginar castanheiro, sem receio da pandemia, do teletrabalho ou da obrigatoriedade damáscara, desvio o olhar dos soutos e dou de caras com a placa que antecipa a chegada a Vinhais. Capital do Fumeiro. Ainda em fevereiro lá estive na feira e ando com os enchidos de porco-bísaro na cabeça desde então. Eis a minha oportunidade de confrontar as árvores, os urzais e o seu manto aromático. Escaparam à covid, sortudos, mas não saberão jamais o que é juntar numa tábua paio, chouriço e presunto, bordejar com pão, tudo de Vinhais, e saborear regado com um tinto granítico da Terra Fria.
Pensamentos destes fazem-me calor. Suor. A estrada, até aí chão, parece querer ser parede. O pedal ganha peso. Mais suor. E eis que a natureza contra-ataca. Não sei se vinda do souto de castanheiros, se do bosque de carvalho--negral ou se do montado de azinho, uma brisa atrevida e refrigerante quebra os meus pensamentos para me dizer, na linguagem do vento, que a serra
do Montesinho e a serra da Coroa se uniram para me confortar. Afinal, estão do meu lado.