Estudo da Universidade do Porto, Cintesis e Hospital de São João analisou quase 200 doentes internados.
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Os doentes que recuperaram de estados graves de covid-19 apresentam sintomas de depressão, ansiedade e alterações cognitivas. A conclusão é de um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, do Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde) e do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), que analisou quase 200 pacientes.
"Começamos a perceber que havia um número considerável de doentes que tinham sequelas, nomeadamente a nível psicológico, de aumento de ansiedade e depressão. Notávamos, sobretudo nos mais idosos, que havia um agravamento substancial da memória e outras áreas cognitivas", explicou Lia Fernandes, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigadora do Cintesis.
A avaliação após alta de um conjunto de doentes que esteve internado no Serviço de Medicina Intensiva do CHUSJ constatou que 23% dos sobreviventes apresentavam sintomatologia depressiva, 21% ansiedade e 19% tinham alterações cognitivas. Os dados preliminares revelam que os mais jovens apresentaram mais sintomas depressivos e ansiosos comparativamente aos mais velhos.
Isolamento e solidão
Os investigadores acreditam que muitos doentes recuperados de estados graves de covid-19 podem desenvolver síndrome pós-internamento em cuidados intensivos, com complicações físicas, cognitivas e/ou psiquiátricas que podem persistir durante meses ou anos após a alta, dificultando a recuperação. Em relação às pessoas internadas com outras doenças, as que tiveram covid-19 têm ainda a agravante do isolamento e solidão a que estiveram votadas, por o vírus ser contagioso. Os investigadores consideram que estes doentes devem ser alvo de rastreios de rotina durante a hospitalização e após a alta, para terem acompanhamento que permita minimizar os problemas.
O estudo, desenvolvido no âmbito do projeto "MAPA - Saúde mental em doentes críticos covid-19: implementação de um programa de monitorização ativa e suporte pós-alta", pretende viabilizar "um programa de implementação rápida para monitorização e suporte de doentes críticos covid-19", explicou Sónia Martins, investigadora que também colaborou no estudo. Ao antecipar as necessidades psicológicas e cognitivas, pretende-se reduzir o impacto a longo prazo no doente, na família, na sociedade e no SNS.
No estudo participaram também José Artur Paiva, Ana Rita Ferreira, Isabel Coimbra, Liliana Fontes, Joana Fernandes, Tatiana Vieira e António Braga.
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Metade precisou de ventilação mecânica invasiva
O estudo envolveu quase 200 doentes, com uma média de idades de 61 anos, a maioria do sexo masculino (67%) e casados (74%). São doentes críticos, internados no serviço de Medicina Intensiva do S. João entre março e maio de 2020 e entre outubro de 2020 e agosto de 2021. Ao longo do internamento nos cuidados intensivos, 30% dos doentes desenvolveram delirium (estado confusional agudo) e mais de metade necessitou de sedação profunda, com uma duração média de 27 dias. Cerca de 53% chegaram inclusivamente a precisar de ventilação mecânica invasiva. O acompanhamento inicial decorreu, em média, 63 dias após a alta. Depois, adianta a investigadora Ana Rita Ferreira, são avaliados periodicamente, "com base num protocolo de rastreio, para ver como evoluiu a sintomatologia".