O antigo primeiro-ministro José Sócrates considera que há uma crise de confiança na esquerda, mas acredita que o Governo vai "sobreviver", embora "ferido de asa", e que Bloco e PCP não vão repetir o "erro" de 2011.
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Estas posições sobre a situação de impasse à esquerda nas negociações em torno da proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022 constam de um artigo publicado, esta sexta-feira, por José Sócrates na revista brasileira "Carta Capital", ao qual a agência Lusa teve acesso.
Na perspetiva do antigo líder do executivo português entre 2005 e 2011, não haverá em breve crise política em Portugal, com eleições legislativas antecipadas, porque prevalecerá "o cálculo político".
"O Governo vai sobreviver. Ferido de asa, é certo, mas vivo", defende.
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Neste seu artigo, José Sócrates começa por assumir que a sua análise em relação aos mais recentes episódios políticos "é necessariamente especulativa", mas "assenta, no fundamental, num aspeto que costuma ser determinante: O cálculo político".
"Na verdade, não vejo interesse de nenhum partido de esquerda (nem dos socialistas, nem dos comunistas, nem do Bloco de Esquerda) em ir para eleições. E em face daquilo a que assisti nos últimos anos, não me parece que o atual Governo tenha outro desígnio maior que não seja aguentar-se no poder. E, numas eleições, nunca se sabe", sustenta o antigo líder do PS.
Para o antigo primeiro-ministro, a questão central entre as diferentes forças políticas de esquerda é a "crise de confiança".
Partidos parecem desconfiados da palavra do primeiro-ministro [António Costa] e do Governo quanto a reformas que fazem parte da sua agenda política
"Os outros partidos de esquerda invocam, agora abertamente, os compromissos acordados no passado e que, segundo eles, não foram cumpridos. Depois de uma parceria de seis anos com o PS, esses partidos parecem desconfiados da palavra do primeiro-ministro [António Costa] e do Governo quanto a reformas que fazem parte da sua agenda política, em particular nas áreas da legislação laboral, da previdência social e da qualidade dos serviços públicos, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde".
Já no PS, segundo José Sócrates, "a habilidade negocial parece ser agora vista como a grande qualidade da liderança e os seus dirigentes esperam do seu primeiro-ministro que consiga mais uma vez o que conseguiu nos anos anteriores - aprovar o Orçamento e manter o partido no Governo".
Neste seu artigo, José Sócrates volta a criticar a ausência de um "documento programático" assinado entre PS, Bloco e PCP na sequência das eleições legislativas de 2019, alegando que o segundo executivo de António Costa "deixou de ser um governo com apoio maioritário no parlamento para passar a ser um Governo minoritário, forçado a negociar anualmente a sua própria sobrevivência".
"Esta nova situação deveu-se ao interesse do PS em aumentar a sua margem de manobra. Julgo que é justo dizer que está agora a pagar o preço dessa decisão", assinala.
No entanto, de acordo com o antigo secretário-geral socialista, apesar da progressiva degradação das relações entre os diferentes partidos de esquerda "um qualquer acordo acabará por ser alcançado" em relação ao Orçamento para 2022.
A sombra de 2011 ainda está presente
"A sombra de 2011 ainda está presente", justifica, referindo-se então à história da queda do seu segundo Governo (2009/2011) - um que também tinha suporte minoritário na Assembleia da República.
José Sócrates diz que em 2011 "os partidos à esquerda do PS votaram ao lado da direita para derrubar um acordo assinado pelo Governo do PS com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Conselho Europeu que visava impedir que Portugal necessitasse de pedir assistência financeira internacional".
"Esse chumbo levou à queda do Governo e à convocação de eleições. A consequência foi a vitória da direita, a austeridade brutal, os cortes nos apoios sociais, o fim do décimo terceiro mês e do subsídio de férias, o aumento brutal dos impostos e a venda das principais empresas públicas. A direita conseguiu tudo o que há anos almejava -- o enfraquecimento do estado social - e a esquerda perdeu as eleições", escreve.
José Sócrates aponta, ainda, que, na sequência dessas eleições legislativas de 2011, "apesar de o PS ter sido o principal derrotado", o Bloco de Esquerda foi o partido que mais baixou, perdendo "quase metade do seu eleitorado".
"Os partidos de esquerda fazem o possível por não falar nesse episódio e nesse período. Mas ele está presente no espírito de todos eles. Não, não penso que os partidos cometam duas vezes o mesmo erro. Não no curto espaço de dez anos", acrescenta.
