O historiador Rui Tavares propõe uma "eco-geringonça" na qual Livre, PAN e PEV se juntem a PS para atingir uma maioria parlamentar, ressalvando que a solução ideal continua a ser um entendimento mais amplo à esquerda.
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"Caso se mantenha esta situação de alguma intransigência entre uma esquerda que devia ser da convergência, há também outras soluções. Não está excluído, por exemplo, que possa haver uma maioria parlamentar que seja com o Livre, PAN e eventualmente até com o PEV, que já algumas vezes votou de maneira diferente do PCP no Orçamento. A isso nós poderíamos chamar uma 'eco-geringonça'", sugeriu Rui Tavares.
Em entrevista à agência Lusa, o cabeça-de-lista em Lisboa do Livre às eleições legislativas de 30 de janeiro ressalvou, no entanto, que a alternativa preferida do partido continua a ser "um entendimento o mais amplo possível à esquerda, multilateral, multipartidário", que resultasse em acordos assinados.
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"Uma maioria social, progressista e ecológica tão ampla quanto possível é a melhor maneira para ninguém se pôr de fora, nem se dedicar ao taticismo ou a tentar, no fundo, ser oposição antes do tempo. Mas é importante que as pessoas saibam que não estamos obrigados ao dilema entre maioria absoluta ou bloco central, entre a arrogância de uns ou a intransigência de outros. Um voto no Livre é um voto que nos livra desses dilemas", sustentou.
Para o partido, é essencial que haja um compromisso à esquerda para "viabilizar um orçamento e um Governo desde já, para que depois até ao 25 de Abril se apresente uma agenda de um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, que não seja a geringonça do passado, mas uma do futuro".
"Não a geringonça dos gabinetes, entre direções partidárias e secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, mas algo que envolva a sociedade civil, em que haja grupos de trabalho, em que os partidos nomeiem técnicos independentes, em que as organizações não governamentais também participem", explicou.
Tavares alertou para uma tentativa de colocar o eleitorado "perante dilemas e chantagens" defendendo que "é ao contrário": são os eleitores que vão dizer "com que linhas" os partidos se vão "coser" no pós-eleições. O dirigente disse ainda que o Livre não vai fazer "exigências de lugares no Governo ou de cargos para o partido" caso se sente à mesa das negociações.
Entre as preocupações do Livre, incluídas no programa eleitoral, está o aumento do Salário Mínimo Nacional para mil euros até ao final da legislatura e ainda a "indexação dos salários à inflação".
O Livre propõe ainda um "plano de reconversão do edificado" que permita "viver de forma mais confortável nas casas, baixando a fatura da energia e ajudando a salvar o planeta".
Rui Tavares referiu que atualmente já existe "uma devolução de 85% nos gastos com a climatização das casas" mas que este processo "é muito burocrático" e que "as pessoas têm que meter o dinheiro primeiro e portanto ninguém está a usar". Para além disto, o Livre prioriza uma "nova modalidade de transporte público, baseada numa rede de transportes escolares".
Subsídio de desemprego a quem se despede em alguns casos
Rui Tavares defende em situações específicas e por um período limitado a atribuição do subsídio de desemprego ao trabalhador que se despeça para melhorar as qualificações. "Não faz imenso sentido que num país em que há muita gente que às vezes está infeliz no seu trabalho, que sabe que se acabasse aquela pós-graduação ou aquele mestrado, ou se finalmente tivesse aquele ano para acabar o doutoramento que anda a ser arrastado há anos, poderia ser promovido, ter um trabalho melhor? Não faz sentido que essa pessoa, em momentos limitados da sua carreira contributiva, não é o tempo todo, possa usar o subsídio de desemprego?", questionou.
Sublinhando que a medida já existe em França, Rui Tavares defendeu que "o país ganha com isso, provavelmente a empresa onde a pessoa está e pode eventualmente reentrar ganha com isso e a pessoa se vai para outro trabalho ganha com isso".
Em 2019 o Livre conquistou pela primeira vez representação na Assembleia da República: a deputada Joacine Katar Moreira que, em fevereiro de 2020, passou à condição de deputada não inscrita, deixando de representar o partido depois de este lhe ter retirado a confiança política.
"Por exemplo, um dos cônjuges vai para o interior - e nós queremos que mais gente vá para o interior - mas o outro para acompanhar, pode ter que se despedir. Pode fazer sentido discutirmos e pôr em cima da mesa se aí não faria sentido a pessoa ter durante alguns meses, em momentos limitados da sua carreira contributiva" acesso a este subsídio, sustentou.
Outra das medidas que constam do programa eleitoral do Livre está a criminalização de "comportamentos e práticas racistas, através das alterações necessárias à Lei n.º 93/2017 e ao Código Penal, que proíbe as discriminações com base em raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, punindo-as, atualmente, apenas como contraordenação".
"Insultos e ofensas raciais, por exemplo, ainda não estão criminalizadas. (...) É mais fácil em tribunal provar ofensas à honra e à imagem mesmo que seja claro que essas ofensas se deram por uma discriminação que no fundo foi classista e racista - mas o ato de racismo não estando tipificado na legislação torna mais difícil a juízes identificá-lo, puni-lo ou agravar a punição do que uma simples ofensa à honra e à imagem", apontou.
Tavares sustenta que "uma ofensa à honra e à imagem motivada por discriminação racial tem outra carga", destinando-se a "perpetuar os privilégios de alguns à exclusão dos outros e, portanto, o Código Penal deve ser adaptado para que ela seja punida de uma forma específica".