Há cada vez mais taxistas a chegar à Avenida dos Aliados, no Porto. A maioria dos motoristas passou a noite nos carros e está disposta a ficar o tempo que for preciso para evitar que a lei das plataformas eletrónicas de transporte entre em vigor no dia 1, tal como está. As associações do setor serão recebidas, segunda-feira, na Presidência da República.
Corpo do artigo
9879686
Ninguém arreda pé. E, se não há quem parta, há motoristas a chegar aos Aliados. Só esta manhã de quinta-feira já se juntaram mais de meia centena de profissionais, após os apelos das associações representativas do setor nas redes sociais e as notícias do prolongamento do protesto. Contam-se mais de 300 automóveis perfilados na avenida, tendo ocupado parte de uma das faixas de rodagem da Praça da Liberdade. Os agentes da PSP vigiam a via pública e orientam o trânsito para garantir maior fluidez, garantindo novos espaços na faixa de rodagem para o aparcamento das viaturas recém-chegadas. E, para já, ao contrário do que sucedeu em Lisboa, ninguém recebeu ordem de saída.
Na próxima segunda-feira às 15 horas, a Federação Portuguesa do Táxi e a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) serão recebidas na Presidência da República, mas não pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Os representantes das associações serão ouvidos por um assessor do chefe de Estado. A concentração no Porto, em Faro e em Lisboa irá manter-se até segunda-feira. Marcelo Rebelo de Sousa, que participará nesse dia no debate da Assembleia Geral das Nações Unidas, considerou, esta quinta-feira, natural que surgissem protestos de vários setores profissionais a menos de um mês da apresentação do Orçamento de Estado.
9880820
"A Presidência da República sempre recebeu e sempre receberá os representantes sindicais dos taxistas. Mas já tive ocasião de dizer que a questão está nas mãos da Assembleia da República", sublinhou o chefe de Estado, lembrando a "manifestação de vontade" do BE e do PCP de "reverem, repensarem ou reajustarem a lei ou de a complementarem. Nesse sentido, fico expectante à espera da iniciativa parlamentar ou governamental ou das duas, pensando sobretudo na lei dos táxis, no que é adequado fazer para equilibrar o que a nova lei veio introduzir".
O principal pedido dos taxistas em protesto é igualdade. Na Avenida dos Aliados, José Oliveira, 63 anos de idade e 20 de profissão, confessa-se "determinado" a ficar até que a lei do transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica seja enviada ao Tribunal Constitucional para apreciação. "É preciso que as empresas, como a Uber, tenham as mesmas obrigações que os taxistas. Assim, estamos perante uma concorrência desleal. E são empresas multinacionais que não investem um cêntimo cá e levam 25% do que aqui se faz para fora", lamenta o motorista, junto à viatura, rodeada por dezenas de carros negros e que não muda de lugar desde as 10 horas da manhã de quarta-feira.
"Passou aqui todo o dia. Nem foi dormir a casa com a esposa", atenta a esposa de José, que trouxe tostas e fruta de Baguim do Monte (Gondomar) até à Baixa portuense. As visitas dos familiares repetem-se pela avenida, assim como os relatos e a disposição para uma ou mais noites ao relento.
"É expectável que a luta se intensifique. Mas tenho esperança que as associações nacionais e os grupos parlamentares cheguem a um entendimento. A Uber não pode entrar num país e fazer tábua rasa da legislação. O setor está disponível para negociar, mas é a nossa sobrevivência que está em causa", alertou José Monteiro, vice-presidente da ANTRAL, sublinhando que os profissionais estão a aderir "em força e em massa" ao protesto.
9881109
Também Paulo Carvalho, motorista de táxi há 20 anos, pernoitou no automóvel. "Dormir é uma coisa que não conseguimos fazer dentro da viatura. Descansei o corpo para continuar a luta e ficarei aqui o tempo que for necessário, até ser resolvida a situação", atirou. O motorista alerta para a falta de fiscalização da ação das plataformas eletrónicas, como a Uber e a Cabify, dispensadas das obrigações legais dos taxistas. "Pela lei portuguesa, tudo o que seja concorrência desleal tem que ser retificado. Queremos que o Governo atue de modo a que todo o setor do táxi seja idêntico à Uber. A lei que saiu da Assembleia da República continua a permitir a concorrência desleal em relação ao táxi. As plataformas têm menos obrigações".
Enquanto os táxis são sujeitos à contingentação (e são raros os concursos públicos para a atribuição de novas licenças), as plataformas podem colocar os carros que quiserem na rua. "No Porto, nós somos 850 carros e tem sido dito que não são abertas novas licenças, porque existem táxis a mais para a população do concelho. Mas, sem limite, as plataformas podem colocar cinco mil carros a trabalhar no Porto", atenta. Mas há outras diferenças que as motoristas Idalina Sousa e Paula Silva assinalam.
"Se eu não posso ir ao aeroporto ou sair da minha zona para carregar passageiros, por que é que a Uber pode fazê-lo?", questiona Paula, enquanto Idalina lembra as regulamentações a que a profissão está sujeita, até nas tarifas. E dá um exemplo: "Nós fazemos um transporte do Porto até ao aeroporto e somos obrigados a regressar com o carro vazio. Os motoristas das plataformas, além de estarem a trabalhar na ilegalidade, podem retornar sempre ocupados. Para eles, não há quilómetros em vazio".
Tanto Idalina como Paula passaram a noite nos Aliados e garantem que continuarão por lá. "Estamos destinadas a permanecer aqui o tempo que for necessário. Como diz a nossa frase de manifestação, é agora ou nunca. Temos de lutar pelo que é o nosso direito e pela igualdade. A lei que saiu da Assembleia da República não pode entrar em vigor e, por isso, é que pedimos a apreciação pelo Tribunal Constitucional", frisa Idalina.
"Nós vamos tentar aguentar o máximo possível. A gente está aqui porque ainda resta um bocadinho de fé", complementa José Ribeiro. "Não estamos contra as pessoas que querem ganhar a vida, estamos contra a desigualdade nos direitos".