Em ano de pandemia, não há os tradicionais jantares de Natal de amigos e de empresas para animar as contas dos restaurantes. A crise agudiza-se de dia para dia e nem a possibilidade de abrir na noite de consoada serve para animar - a maioria nem vai abrir.
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Contavam com mesas cheias e copos ao alto que lhes aquecessem o coração já devastado e mergulhado na tristeza provocada pelo ano que passou. Mas nem a magia da época será capaz de criar um milagre de Natal. A pouco mais de uma semana da noite festiva, os restaurantes permanecem vazios e sem sinal de que exista quem queira comemorar a quadra de uma forma menos tradicional. Mesmo com o alívio das restrições, a maioria dos estabelecimentos não deverá abrir as portas na noite da consoada.
PORTO
É quarta-feira e está na hora do almoço. A azáfama do início de tarde contrasta com o silêncio já habitual das noites que passam pela "Casa Viúva", na Rua Actor João Guedes, na Baixa do Porto. Num encolher de ombros, Carlos Dinis, o proprietário, de 47 anos, confidencia: "Quem é que vai fazer uma reserva para jantar, se sabe que às 22.30 horas tem de ir embora?". A quadra, que enchia por dias a fio o restaurante com jantares de empresas, amigos e grupos de faculdade em celebração, e que tinha até direito a trocas de prendas, parece já pertencer a uma era longíqua.
À porta do restaurante, no passeio, está um casal à espera de mesa. Os lugares nunca foram muitos porque o espaço é pequeno. Com a pandemia, contam-se pelos dedos. Mas a casa encheu. E é evidente o esforço em satisfazer os clientes para recuperar o vazio das noites.
"São trabalhadores locais. Até porque residentes, por aqui, não há quase nenhuns. É o pessoal do comércio que ajuda", esclarece Carlos Dinis.
É com "um pulso de ferro" que António Ferreira, de 68 anos, tem mantido a maré calma no restaurante "Palmeira", na Rua de Sá da Bandeira, no Porto. Também ali são os almoços que ajudam a atenuar os prejuízos provocados pela pandemia num espaço que conta com 120 anos de história. Até porque, a altura que outrora ajudava a "fazer mais algum", este ano, vai ter um sabor demasiado amargo.
"Não há reservas. Nada. As pessoas têm medo", refere o gerente, revelando que a partir das 20 horas, naquela zona, "não se vê ninguém".
"O centro do Porto foi desprezado. Não havendo turismo, não mora cá ninguém. Nem passáros", reprova António, que soma 54 anos de casa.
Na Travessa do Carmo, à entrada do "Papagaio", sente-se o peso do silêncio que tomou conta do espaço. Por volta das 12 horas, na sala, servia-se um cliente. E tudo indica que o cenário se vai manter.
"Para jantares de Natal de grupos e empresas começávamos a receber reservas um bocadinho mais tarde, a partir de dia 15. Mas até agora também não surgiu sequer essa procura", explica Rui Borges, de 56 anos. Por enquanto, "é o português trabalhador" que tem ajudado a manter os postos de trabalho. "Este mês, que costumava ser a maior ajuda, não temos nada que indique que possamos ter uma folga", lamenta o gerente.
À abertura na noite da consoada, todos dizem um forte "não". "Quem é que vai abrir para servir jantares de Natal? Só se forem hotéis. E se houvesse turistas, ainda havia malta aí para jantar. Mas nesta altura não. Nem pensar", retrata Carlos Dinis.
Para António Ferreira, a permissão para abrir na noite de 24 para 25 "é má". "Todas as famílias, no Natal, estão recolhidas em casa. Com ou sem pandemia", afirma, criticando, da mesma forma, o encerramento obrigatório dos restaurantes às 13 horas aos fins de semana e feriados.
Nem no "Papagaio" há a intenção de abrir. Apesar de o assunto ainda não ter sido descutido entre os trabalhadores, confessa Rui Borges, há 30 anos que o restaurante não abre. E, de acordo com o gerente, não iria ser agora, numa zona "onde não há população" que o iriam fazer. "Estão a matar-nos aos poucos", lamenta António Ferreira.
Há um ano, por esta altura, a Fábrica Imperial, em Lisboa, já tinha 30 reservas para jantares de Natal. "Tínhamos quase todos os dias jantares de grupo e ainda pessoas na lista de espera", conta Bárbara Ribeiro, proprietária do estabelecimento. Algumas empresas chegavam mesmo a alugar o restaurante durante uma noite para uma celebração mais privada. As marcações para os convívios natalícios começavam logo em novembro, mas, este ano, "nem uma reserva" por causa da pandemia covid-19.
Habituados a terem a casa cheia, principalmente ao fim de semana, Bárbara e o marido, Belchior Ferreira, vivem tempos difíceis. Só no mês de novembro, o restaurante teve um prejuízo de 10 mil euros comparativamente ao ano passado. São os almoços que ajudam a equilibrar as contas. "Têm-nos salvo. Como são refeições rápidas e estamos numa zona empresarial acabamos por ter mais clientes a essa hora. Ao jantar, como as pessoas ficam mais tempo, estamos a 50%", explica Bárbara.
Quando a covid-19 chegou a Portugal, em março, a dona do restaurante, localizado em Campolide, não esperava que nesta quadra festiva o país ainda estivesse a enfrentar a pandemia. Ao final de nove meses, os jantares natalícios seriam "fundamentais" para uma casa que sobrevive sobretudo graças aos menus do dia. "As margens de lucro são mínimas com estes menus e após estes meses qualquer "almofada" financeira já voou e os impostos continuam a cair", lamenta. Mas nem tudo foi mau.
"Não estarmos focados no turismo, nem inflacionarmos os preços, e termos clientes habituais foi a nossa bóia de salvação. Sinto que as pessoas estão cheias de medo, mas, ao mesmo tempo, como já nos conheciam, confiam em nós", repara.
Ao chegar à Baixa de Lisboa, o cenário piora. Sem turistas nem trabalhadores, numa parte da cidade onde já fecharam pelo menos 111 lojas, a restauração atravessa uma das piores fases de sempre. A Casa do Alentejo, que corre o risco de encerrar em janeiro, recebeu, no ano passado, 76 marcações, com 6080 pessoas, para jantares de Natal e faturou 121600 euros.
Este ano, "apenas uma reserva para um almoço, de dimensões muito menores". "Uma tragédia", confessa Manuel Verdugo, vice-presidente da coletividade quase centenária. "Até ao dia 25 de dezembro tínhamos reservas todos os dias. Os salões de jantar, o bar e até a biblioteca, que era reservada para jantares mais intimistas, estavam cheios. O ano passado, tendo em conta novembro e dezembro, foi um dos melhores", conta Verdugo. Desde bancos, a órgãos de comunicação social, coletividades e empresas, muitos escolhiam a Casa do Alentejo para comemorar a quadra. Nos dias 24 e 25 recebia sobretudo turistas, mas, sem visitantes, este ano não conta com ninguém. "Os portugueses passam mais em casa".
Na emblemática Rua Augusta, a marisqueira Concha d"Ouro, com capacidade para 150 pessoas, há um ano tinha mais de 20 reservas para jantares de Natal. Este ano, só um grupo. "Eram 12, mas por causa das limitações do número de pessoas pedimos para ficarem separados, seis em cada mesa. Seis desistiram por causa disso", explica António Nunes, o único empregado de mesa que resiste. "Éramos onze, já sou só eu". Com quebras de 90%, também vão fechar no dia de Natal.