IPO do Porto e de Lisboa recebem doentes de outros hospitais e suportam todos os custos. Há quem defenda financiamento próprio. Desde 2019, quase 40 pessoas tiveram acesso.
Corpo do artigo
Há cada vez mais cancros do sangue com indicação para tratamento com células CAR-T, mas os custos associados a esta terapêutica de manipulação genética do sistema imunitário estão a ser suportados apenas pelos hospitais autorizados a aplicá-la, no caso, os IPO do Porto e de Lisboa. Os doentes chegam de todo o país, mas a despesa cai totalmente sobre os institutos de oncologia. E pesa nos orçamentos, já que cada tratamento custa cerca de 300 mil euros. Há quem defenda uma linha de financiamento própria para as CAR-T, mas não é consensual.
O IPO do Porto, o primeiro a implementar a terapêutica em Portugal, já tratou 31 doentes desde 2019. Vêm da Madeira, dos Açores, de Coimbra e de toda a região Norte. "Não faz sentido ser o IPO do Porto a suportar todos os custos com estes doentes. Em Espanha, por exemplo, o hospital que referencia suporta a despesa", refere José Mário Mariz, diretor da Clínica de Hemato-Oncologia do IPO do Porto. O especialista garante que, até ao momento, nunca ouviu um "não" da administração. Mas teme que, à medida que vão aumentando os doentes com indicações para estes tratamentos, a situação fique "insustentável".
"Esta é uma terapêutica que veio para ficar e não é sustentável manter isto assim. A questão do financiamento é das que mais me preocupam", refere o médico, receando que a falta de soluções venha a condicionar a aposta nos tratamentos. O hemato-oncologista defende uma linha de financiamento própria para as CAR-T, à semelhança do que aconteceu para outros tratamentos caros como o da hepatite C. Aliás, o modelo de pagamento deste medicamento (mediante resultados na saúde dos doentes) também foi negociado pelo Infarmed para as CAR-T. E esta é uma das temáticas que vai abordar hoje num evento sobre a dádiva de células, que vai decorrer no IPO do Porto.
Até agora, o IPO de Lisboa tratou oito doentes com células CAR-T, três dos quais são de fora da instituição. A questão do financiamento "nunca foi um óbice" no acesso àquela terapêutica na instituição, assegura Nuno Miranda, hemato-oncologista daquele instituto. O ex-diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas, da Direção-Geral da Saúde, discorda que a solução esteja numa linha de financiamento específico. Estes programas, refere, são muito raros e têm vantagens e desvantagens. A solução não está em "aumentar o financiamento dos hospitais para medicamentos", mas passa pela "boa gestão e por um financiamento inteligente que promova as boas práticas", assegura Nuno Miranda.
Em alguns casos há "milagres"
Os tratamentos com células CAR-T começaram em maio de 2019 no IPO do Porto. São tratamentos de última linha, "não resolvem todos os problemas", como sublinha José Mariz. Mas, para alguns doentes que não tinham outra hipótese, "são um milagre". Dos 31 doentes que integraram os programas, dois não chegaram a ser infundidos, pois não resistiram à espera. Seis doentes morreram após a terapêutica (cinco por falta de resposta e um por toxicidade). Os restantes tiveram resposta positiva.
Em Lisboa, o IPO considera que com "números tão pequenos e tempo de seguimento dos doentes tão curto, seria precipitado tirar conclusões sobre os resultados" dos tratamentos.
Saber mais
Como funciona?
O tratamento consiste na modificação genética de células do sistema imunitário do doente (células T) para que estas detetem e matem as células cancerígenas. Em laboratório, é introduzido um vírus dentro das células com uma proteína específica (recetor de antigénio quimérico ou CAR), especializada na identificação e destruição de determinadas células cancerígenas. As células manipuladas são multiplicadas em cultura e injetadas no doente, onde se ligam às células tumorais, induzindo a sua morte.
Doenças com indicação
Esta terapia foi aprovada pela primeira vez em 2017, pelo regulador do medicamento norte-americano (FDA), para doentes com leucemia linfoblástica B. Atualmente, encontra-se também aprovada no linfoma difuso de grandes células B, no linfoma de células do manto e está iminente a aprovação no mieloma múltiplo. Há estudos em curso para a leucemia mieloide aguda, tumores sólidos e doenças linfoproliferativas de células T. É uma terapia de última linha, quando todas as outras opções não tiveram sucesso.
40% controlam doença
Os resultados dos ensaios clínicos e que estão em linha com os tratamentos realizados por todo o Mundo apontam para uma resposta dos doentes tratados com CAR-T na ordem dos 50% a 70%, sendo que destes cerca de 40% apresentam a doença controlada ao fim de dois anos, refere José Mariz.
Dádiva de células e inovação em debate
No âmbito do Dia Mundial do Dador de Medula Óssea, o IPO do Porto promove hoje o evento "Desmitificar a dádiva de células - Doar & inovar", com um painel dedicado às CAR-T.
300 mil euros
O custo de cada tratamento com células CAR-T, atualmente vendidos pelas farmacêuticas Novartis e Gilead, é aproximadamente de 300 mil euros.