Autarcas de concelhos como Miranda do Douro ou Resende, que correm o risco de recuar ou não avançar no desconfinamento de 5 de maio, temem as consequências económicas e sociais da medida. Asseguram que os casos estão a diminuir e questionam os critérios para a reabertura.
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Se a próxima fase do desconfinamento avançasse à luz dos números de sexta-feira da Direção-Geral da Saúde, havia três concelhos do continente em risco de recuarem uma fase na reabertura, 15 de não avançarem e 18 com alerta por terem atingido o patamar dos 120 novos casos de covid-19 por 100 mil habitantes, em comparação com os dados de 15 dias antes. Esta terça-feira, o Governo volta a ouvir os especialistas no Infarmed para decidir como se vai avançar na próxima fase da reabertura.
Os autarcas dos concelhos com a taxa de incidência mais elevada temem as consequências e há também quem questione os critérios para a reabertura.
O concelho de Miranda do Douro, com 18 casos ativos de covid-19, arrisca não passar à fase seguinte de desconfinamento porque está na linha do risco moderado, uma vez que ultrapassou a barreira dos 120 novos casos por cada 100 mil habitantes, em 14 dias, segundo o boletim da Direção-Geral da Saúde da passada sexta-feira relativo à taxa de incidência cumulativa em todos os concelhos do país, entre os dias 7 e 20 de abril.
O concelho, com 7482 habitantes, registou nesse período de 14 dias, 234 casos por cem mil habitantes, o equivalente a 16 casos novos de covid-19.
Não é justo estar a fechar um concelho com base em dados que, na próxima quinta-feira, estarão ultrapassados
O presidente da Câmara, Artur Nunes, defende ao JN que a forma de cálculo do risco de infeção associado prejudica os territórios de baixa densidade e compromete a leitura clara dos dados. "Na sexta-feira tínhamos 18 casos circunscritos à freguesia de Palaçoulo [associados à escola básica]. O foco foi identificado, foram testados todos os contactos dessas pessoas, que aguardam alta. Não é justo estar a fechar um concelho com base em dados que, na próxima quinta-feira, estarão ultrapassados. Arriscamos fechar o concelho com zero casos", explicou o autarca que considera que o município sai prejudicado.
"Estas avaliações 'ad doc' deviam ser feitas com consultas à Unidade Local de Saúde e à saúde pública relativamente ao estado da situação, não devia ser apenas uma análise numérica", acrescentou o autarca mirandês que considera "injusto" fechar o concelho. "Fechamos os restaurantes, os cafés e áreas públicas, a GNR fez um grande trabalho de proteção. A situação está controlada".
Já o concelho de Cinfães contabilizou, numa semana, 48 novos de covid-19, apresentando uma incidência cumulativa a 14 dias de 247 casos por 100 mil habitantes.
Sabemos que são casos que surgiram junto de escolas, estão identificados, estão isolados
O presidente da Câmara, Armando Mourisco, indicou que "48 casos num concelho com 14 freguesias, 502 lugares, 248 km2 é zero. Dá nada". O autarca explicou que tendo em conta a dimensão do concelho, o número não é problemático no que diz respeito à propagação da infeção.
Porém, "em termos de desconfinamento e abertura do comércio e serviços, é muito prejudicial. Não se prevê que nos próximos dias se baixe dos 220 casos por 100 mil habitantes", referiu o autarca.
Armando Mourisco quer manter o concelho na situação atual de reabertura ou até dar um passo em frente. "Sabemos que são casos que surgiram junto de escolas, estão identificados, estão isolados [estiveram em isolamento 400 habitantes] e foram testados maciçamente os alunos e agregados familiares das escolas com surtos e não apareceu mais nenhum caso positivo. Não há risco de contágio", esclareceu Armando Mourisco.
Também com mais de 240 casos por 100 mil habitantes e em risco elevado, o concelho de Resende, com 31 casos novos e um total de 44 ativos. O município é um dos que poderá ter de recuar nas medidas de desconfinamento a partir de 3 de maio.
São as consequências da Páscoa. As pessoas vieram a casa dos familiares, vieram de fora
"São as consequências da Páscoa. As pessoas vieram a casa dos familiares, vieram de fora, incluindo do estrangeiro e deu nisto. Os surtos são no seio das famílias. O vírus foi trazido para cá. Não tiveram controlo, não foram testados e infetaram as famílias. Houve uma família com 12 infetados. Tivemos uma situação de quatro pessoas da mesma freguesia que trabalhavam no Alentejo, voltaram para casa, infetaram a família", referiu o autarca, Garcez Trindade, que acredita que dentro de uma semana a situação normalize.
O responsável está com receio que, a partir de julho, as infeções aumentem por causa dos emigrantes que regressam de férias. "Devem tomar-se atitudes de despiste antes de eles voltarem ou volta tudo a subir. Somos um concelho pequeno, onde não é difícil referenciar as famílias com emigrantes ou membros a trabalhar fora. As juntas podem fazer esses levantamentos e vaciná-las de imediato, ainda vão a tempo de fazer as duas doses", vincou Garcez Trindade.
Por seu lado, Alexandre Almeida, presidente da Câmara Municipal de Paredes, referiu que a autarquia tem estado a fazer tudo o que está ao seu alcance, desde que, há 15 dias, recebeu a comunicação de que estava num grupo de concelhos de risco, com mais de 120 casos por cada 100 mil habitantes.
Assim, com o apoio da Polícia Municipal, Cruz Vermelha, autoridades de saúde, entre outras, avançou com uma campanha de sensibilização, em esplanadas e cafés, através da distribuição de um folheto informativo sobre as medidas de segurança a adotar. Reforçou ainda a fiscalização nos locais públicos e parques, estando estes apenas autorizados para a prática desportiva ou passeios higiénicos. "A permanência em parques está proibida", frisou o autarca.
Com 209 casos por cada 100 mil habitantes, o município paredense encerrou todos os equipamentos municipais de desporto "para dar o sinal que temos que desconfinar com muito cuidado".
Com uma população bastante jovem e muita indústria, os focos existentes no concelho estão "identificados e controlados". "Mas não há focos padrão. Existem casos em escolas, empresas, mas estão devidamente identificados e controlados. Temos feito um acompanhamento diário com a delegada de saúde e quando há um caso positivo, seja numa escola, ou numa empresa, todo esse universo é testado e colocado em isolamento profilático", explicou.
Temendo que o município possa não dar o próximo passo no desconfinamento, Alexandre Almeida deu conta de que, "por iniciativa própria", a Câmara Municipal vai proceder à testagem quinzenal dos cerca de 500 colaboradores.
Aumento da fiscalização
O concelho de Valongo passou na última semana para risco elevado, com 185 casos por cada 100 mil habitantes. "Estes números estão agora a estabilizar", garantiu José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara Municipal, explicando que os números do último relatório estiveram associados a dois surtos em Campo Sobrado, que tiveram origem numa empresa e um outro associado a uma pessoa da comunidade educativa.
Segundo o autarca, "é provável que consigamos baixar nos próximos dias", mas que tal ainda não permita avançar no processo de desconfinamento. "Se tivermos que manter o confinamento mais quinze dias vamos fazê-lo com o esforço de todos", disse.
Ao longo das últimas semanas, o município manteve as políticas adotadas em pandemia e reforçou as políticas de sensibilização e fiscalização. "Pedimos às autoridades de segurança que aumentassem a fiscalização e têm-no feito de uma forma excecional", frisou, garantindo que também a Câmara e a Proteção civil "estão empenhadíssimas em sensibilizar as pessoas. "Se não conseguirmos atingir o objetivo vamos ter que fazer um esforço adicional, mas neste momento não é possível fazer mais. Estamos dependentes do cumprimento das regras por parte dos nossos cidadãos", rematou.
Penafiel, com 130 por cada 100 mil habitantes, parece estar a contrariar a tendência da região e, segundo Antonino de Sousa, presidente da autarquia, o número de novos casos registados nos últimos dias reduziu significativamente. "Os números diários após o dia 21, já foram mais baixos. Tivemos um dia com quatro casos, outro com cinco. Se forem continuados, vão-nos permitir descer no rácio relativamente aos 100 mil habitantes", declarou.
Segundo o autarca, a expectativa é que se verifique "uma inversão da tendência" e que Penafiel possa "corrigir a tempo de nem chegar a entrar em situação de alerta".
Para Antonino de Sousa, a proximidade com município de Paredes, um dos que estão em situação de alerta, também poderá ter contribuído para o aumento de casos no seu concelho. "Há um movimento pendular muito acentuado entre os dois concelhos e isso reflete-se nos números", frisou.
Para combater a propagação do vírus, o município penafidelense tem procurado sensibilizar os cidadãos através de todos os meios, "Recentemente fiz um infomail a todos os cidadãos sobre a nossa situação e a importância de continuar este caminho de desconfinamento tão importante para todos", salientou Antonino de Sousa.
O concelho de Penafiel teve cerca de 7500 casos de infeção e tem já cerca de 10 mil pessoas vacinadas, pelo menos com uma dose. "Estamos a fazer um caminho bastante positivo. Vacinados e infetados são cerca de 17500 pessoas num concelho com 70 mil habitantes. E isso traz-nos algum conforto, alguma segurança comparativamente a período que vivemos de maior aflição", rematou.
Casos importados dos concelhos vizinhos
Paços de Ferreira foi um dos concelhos mais fustigados pela pandemia nos últimos meses de 2020 e, depois de alguma acalmia, no final da semana passada estava ligeiramente acima da linha de risco, com 125 casos por cada 100 mil habitantes.
Apesar de ter sido durante várias semanas o concelho do distrito do Porto com menores incidências cumulativas, nos últimos dias, o Rt (taxa de transmissibilidade) está a diminuir no concelho, mas a incidência volta a aumentar, situando-se nos 164 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, à data de 25 de abril.
"O facto de os números estarem a aumentar à nossa volta tem sido visto com um fator preocupante, com casos importados de concelhos vizinhos", referiu fonte do município, dando nota de que para esse aumento contribuiu alguns surtos identificados em contexto laboral e escolar, "identificados e controlados" e acreditando que esta tendência de aumento possa inverter em breve.
A par com isso, têm sido realizadas ações de sensibilização pelas forças de autoridade, e reforçada a testagem quando identificados casos positivos para quebrar as cadeias de transmissão.
Fruto de uma campanha de sensibilização para a vacinação, em Paços de Ferreira, já foram esgotadas todas as vagas de autoagendamento disponíveis para os maiores de 65 anos.