Relatório pede mudanças e identifica várias falhas, entre atrasos do Governo e falta de fórmulas de financiamento das autarquias locais.
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A análise do Tribunal de Contas (TdC) ao processo de descentralização identificou que os prazos de implementação desta reforma do Estado foram “largamente ultrapassados” e que os mecanismos de financiamento não são “estáveis e transparentes”. O relatório encontrou falhas de transparência em várias dimensões e recomenda mudanças na descentralização.
A transferência das competências do Estado para as câmaras e freguesias devia estar concluída a 1 de janeiro de 2021, mas, três anos depois, ainda não está terminada. É uma das conclusões da análise do TdC, que considera que os atrasos resultam da demora do Governo em publicar os diplomas setoriais e regulamentação, bem como da resistência dos municípios a aceitar as competências, sobretudo por falta de acordo no financiamento.
Sem fórmula de cálculo
O Tribunal condena a ausência de uma fórmula de cálculo “estável e transparente” nos montantes que constituem o Fundo de Financiamento da Descentralização. Essa situação “retirou transparência e estabilidade ao financiamento das competências transferidas” e é “uma insuficiência que persiste”, aponta ainda.
Na resposta à auditoria, o Ministério da Coesão Territorial justificou que a descentralização “é um processo em curso” que “requer ajustamentos até que se considerem os valores adequados e se possa estabilizar o fundo com uma fórmula de cálculo de atualização”. Porém, o Tribunal de Contas defende que a fórmula devia ter sido encontrada “em momento prévio”.
Para o TdC, o problema remonta ao início do processo e à “ausência de informação relativa aos custos e aos indicadores de qualidade associados às competências”. Ou seja, o Estado não demonstrou quanto custava e qual a qualidade dos serviços que prestava. E o TdC entende que a “adequada avaliação do processo de transferência de competências implica a existência de dados que permitam comparar o desempenho antes e após a transferência”.
Assim, “não se estabeleceu um processo de avaliação que permitisse apurar, pelo menos, o aumento da eficiência da gestão dos recursos e os ganhos de eficácia” que a reforma visava, ou “os riscos de suborçamentação dos serviços” que o Estado prestava, refere.
Relatórios acabaram
As críticas de falta de transparência estendem-se aos relatórios trimestrais de acompanhamento da Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL). “Não constavam daqueles relatórios todos os domínios objeto da transferência de competências”, refere o Tribunal, o que não garante “a transparência da informação disponibilizada aos cidadãos”. O grupo de trabalho que realizava os relatórios foi extinto em 2021 sem que apresentasse o relatório final.
Face às várias insuficiências encontradas (ler “À lupa”), o TdC recomenda “ajustamentos ao processo”, como o cumprimento dos novos prazos e a clarificação das fórmulas de cálculo do financiamento.
À lupa
Fundo duplicado
As transferências do fundo da descentralização e do fundo social municipal destinam-se a pagar “despesas idênticas” na área da educação, aponta o Tribunal de Contas (TdC), alertando para o risco de duplo financiamento. O Governo respondeu que vai unir os dois fundos.
Sem critério
Os critérios que definiram a lista de 451 escolas que terão obras até 2033 não estão identificados. A lista resulta de um acordo entre o Governo e câmaras, mas o TdC diz que a escolha não deve ser feita “através de opções discricionárias, designadamente de oportunidade”.
Esvaziamento
O Tribunal aponta “muitas fragilidades” ao processo de acompanhamento da descentralização. A comissão de acompanhamento “não foi municiada da informação necessária, designadamente financeira”, o que conduziu ao “esvaziamento” da missão.
Sem infrações
Apesar das várias falhas no processo, o parecer do Ministério Público, que consta do relatório do TdC, conclui pela ausência de indícios de infrações financeiras que careçam de investigação.
Áreas envolvidas na descentralização
A lei previa a descentralização de competências em 23 áreas de atividade estatal. O TdC identificou a total assunção de competências em 13, restando 10 que ainda não estão concluídas.
Execução registada no ano passado
Entre 2019 e 2023, o Governo só transferiu metade das verbas previstas. O melhor ano de execução foi 2023, com 54%. Ficaram por executar, desde 2019, quase mil milhões de euros.