Projeto de investigação desenvolvido no Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, avalia o efeito das experiências imersivas na redução da ansiedade e dos níveis de dor da parturiente.
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Naquela posição, a meio caminho entre o deitado e o sentado, as mãos pousadas sobre a barriga empinada, Catarina levanta e baixa a cabeça, lentamente, a absorver as imagens que a rodeiam. Interage com animais junto a um riacho, aprecia a limpidez da água, o brilho das madeiras, enrosca-se na manta pousada nas pernas e quase sente o cheiro a café daquela chávena junto à lareira. Os óculos de realidade virtual cobrem-lhe quase todo o rosto e conduzem-na numa experiência imersiva que reduz a ansiedade e ajuda a controlar a dor durante o trabalho de parto.
Três enfermeiras do Hospital Pedro Hispano estão a desenvolver um projeto de investigação para avaliar o efeito da realidade virtual nas mulheres em trabalho de parto. Os resultados só deverão ser publicados dentro de um ano, mas até agora "o feedback das grávidas tem sido muito positivo", assegura Carla Teles. "Sentem que estão a ter uma contração, mas estão tão envolvidas naquele ambiente, que a dor diminui, muitas delas dizem que a dor fica a zero", relata a enfermeira.
Os sinais de que o João vinha a caminho surgiram cedo e, por volta das 8.30 horas, Catarina Coelho, 34 anos, chegou ao serviço de bloco de partos do Pedro Hispano. Estava ainda longe de imaginar que, entre a espera e a chegada do primeiro filho, teria oportunidade de mergulhar num filme que a levaria para longe das angústias e ansiedades daquele dia.
Há três filmes disponíveis, todos em contexto de natureza, envolvidos por sons e uma voz que convidam a relaxar. "Os cenários são realistas" e por "alguns momentos", Catarina esqueceu o que a rodeava.
Os óculos são comandados por uma aplicação no telemóvel, controlada pela enfermeira, que permite sugerir respirações mais profundas. "Podemos criar eventos respiratórios positivos que, quando sincronizados com as contrações, ajudam a reduzir a dor", explica Carla Teles. Quando pressiona o símbolo dos pulmões, a reação de Catarina é instantânea. Inspira e expira profundamente, de forma pausada, durante dois minutos, e parece que vai adormecer a qualquer momento.
O projeto de investigação nasceu de um interesse comum do serviço hospitalar e da Associação para o Desenvolvimento de Inovação Tecnológica e Games em Saúde (ADITGames) e foi desenvolvido em parceria com a Vygon, que disponibilizou o dispositivo médico. "Há estudos que já revelam uma grande eficácia da realidade virtual em pequena cirurgia, em que praticamente não é necessário qualquer sedação", conta Carmo Gamboa, responsável pela investigação, que deverá durar um ano. No trabalho de parto, garantem as enfermeiras, é uma experiência inovadora.
Casais pesquisam tudo
A realidade virtual é mais uma medida não- farmacológica de controlo da dor, que acresce a outras que já são disponibilizadas naquele serviço, numa altura em que "os casais procuram cada vez mais uma experiência positiva" no parto. "Hoje em dia, os casais pesquisam imenso e obtêm informação, na internet e nas instituições de saúde, precisamente para definirem ao longo da gravidez o que pretendem do parto", salienta a enfermeira Rosa Vilarinho.
Longe vai o tempo em que a maternidade do Hospital de Matosinhos era procurada por disponibilizar a epidural (analgesia) em partos de baixo risco. Agora, as grávidas procuram segurança, conforto e equipamentos que ajudem no trabalho de parto - como a música, luz ambiente, bolas de Pilates, colunas de hidromassagem, dispositivos de monitorização fetal que podem ser usados a caminhar. Querem também respeito pelas suas decisões, relatam as enfermeiras especialistas em saúde materna e obstetrícia.
Para melhor responder às exigências, o Hospital criou há um ano a consulta de plano do nascimento para haver "uma convergência entre o que a unidade tem para oferecer e as expectativas do casal em relação ao trabalho de parto", assinala Rosa Vilarinho. "Na maior parte das vezes correspondemos às expectativas", assegura.
Para Catarina a escolha foi simples. Quando os sobrinhos nasceram no hospital, sentiu que aquele bloco era "um pequeno oásis, muito tranquilo" e não teve grandes dúvidas. Na sua vez, o "oásis" foi real e virtual.
Critérios de exclusão da investigação
A utilização da realidade virtual no controlo da dor durante o parto tem de ser acompanhada por um profissional de saúde e há situações clínicas em que não é recomendado, como é o caso da epilepsia, doença psiquiátrica, pré- eclampsia ou eclampsia, enxaquecas, tonturas, uso de medicação analgésica, entre outros. Só se aplica a partos de baixo risco.
Medição da ansiedade, stresse, dor e medo
Antes e após a intervenção, as investigadoras monitorizam os sinais vitais da parturiente e aplicam escalas de avaliação da dor, da ansiedade, depressão e stresse e um questionário sobre o medo do parto.