Cirurgia inovadora realizada nos Estados Unidos continua a registar progressos após várias semanas. Homem de 57 anos respira sozinho, consegue falar e manter a postura.
Corpo do artigo
David Bennett pediu à equipa médica para ver o jogo da SuperBowl no passado domingo, 13 de fevereiro. O homem de 57 anos, que recebeu um coração de porco a 7 de janeiro deste ano, consegue falar, respirar sozinho e até cantou um verso de "America the Beautiful", uma canção de cariz patriótico interpretada antes da competição.
O Centro Médico da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, confirmou ao JN, por email, que Bennett "continua bem". "Não registamos sinais de rejeição do órgão neste momento. Está a respirar sozinho e foi-lhe retirada a ECMO [dispositivo de circulação extracorporal] a 11 de janeiro. O coração está a funcionar em pleno. Ele está acordado e a falar", acrescentaram.
A cirurgia inovadora de transplante de um coração de porco para um humano tem motivado muita curiosidade junto da comunidade científica. Apesar de alguns especialistas, incluindo os da própria Universidade de Maryland, pedirem cautela na hora de determinar o sucesso da operação.
O cirurgião cardiotorácico Manuel Antunes diz que o norte-americano pode ser "o mais longo sobrevivente após um transplante animal". Em 1984, uma bebé americana morreu um mês depois de receber um coração de babuíno. "É um bom sinal, significa que a investigação está a ir pelo lado positivo. Não sei se pelo caminho mais correto".
O também professor catedrático da Universidade de Coimbra voltou a suscitar dúvidas, tal como tinha feito em janeiro, quanto à mistura genética de animais e humanos. De recordar que o coração de porco que Bennett recebeu teve a alteração de dez genes. "Levantam-se questões éticas que é preciso resolver, ainda que seja para salvar um humano", referiu.
Esperar um ano
Num vídeo divulgado pelo Centro Médico da Universidade de Maryland, a 14 de fevereiro, é possível ver Bennett sentado na cama, amparado pela fisioterapeuta Chris Wells. A funcionária incentiva-o a cantar a música que antecedeu o jogo de futebol americano: "Cante alto e em bom som. Você consegue", disse-lhe.
Por meros segundos ouve-se a voz do norte-americano, ainda combalido. Bennett já mostrou vontade de voltar a casa e de ter a visita do cão Lucky no hospital, do qual se lembra com clareza. "Toda a gente quer que ele saia do hospital já, mas isso não vai acontecer. É um processo lento", afirmou Muhammad Mohiuddin, diretor do programa de xenotransplante cardíaco da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, numa nota à Imprensa.
José Fragata, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de Santa Marta, acredita que "rejeição do órgão há sempre, mas conseguiu ser manejada sem grandes consequências negativas para o doente", refere. Na altura em que se soube da cirurgia, o centro médico adiantou que Bennett estava a tomar um medicamento experimental para impedir a rejeição do coração do porco.
Para o clínico, "abriu-se uma caixa de Pandora" que poderá ajudar a resolver a falta de dadores para realizar transplantes cardíacos em todo o Mundo. No entanto, será preciso esperar mais tempo para cantar vitória. Se "o coração durar até ao final de um ano" é porque, "em princípio, se criou um grau de tolerância entre o hospedeiro e o órgão doado", conclui.
A saber
Problemas nos rins
Apesar de o coração estar a funcionar, "sem precisar de assistência", e de ter superado as expectativas, Bennett está a tomar medicação para controlar a pressão arterial. Bartley Griffith, o médico que o operou, disse que o doente tem "algumas dificuldades" nos rins, anteriores à operação, que estão a ser tratadas.
Divulgar informação
Mais de um mês depois da cirurgia inovadora, o diretor do programa de xenotransplante cardíaco da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland afirmou que está ser preparado um artigo para divulgar o que a equipa médica aprendeu com o transplante de David Bennett.
Portugal
Mais de 30 à espera de um coração
No final do ano passado, havia 33 doentes inscritos em lista de espera para receber um coração, segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST). Desde 2019, 111 corações foram transplantados no país, sendo que 2021 registou o maior número (49). O IPST acrescentou ao JN que a "taxa de sucesso tem sido de 100%" nos últimos anos. "O coração é um órgão vital e, como tal, qualquer complicação poderá ter repercussão na vida do doente. O transplante de outros órgãos, como o pâncreas ou o rim, não vitais, é mais fácil", explica fonte do instituto.