À primeira vista, parece uma casa de bonecas, mas as térmitas corroem a estrutura pré-fabricada e o amianto no telhado não os deixa descansar.
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É preciso olhar com atenção, mas as instruções de José Castanheira vão revelando uma parte do telhado de amianto já abaulada e vários remendos nas telhas. Por que razão o telhado dá sinais de ceder não sabe, mas poderá ter a ver com os pilares que sustentam a casa pré-fabricada. É que há anos que a estrutura de madeira é atacada por térmitas, uma praga de que nunca se conseguiu ver livre, por mais obras e desinfestações que fizesse. O relatório da inspeção feita pela Matosinhos Habit é claro: a casa sofre de problemas graves na estrutura e muito graves na cobertura e as obras de recuperação enquadram-se no 1.º Direito.
Enquanto trabalhavam, iam compondo a casa térrea onde criaram duas filhas e agora ajudam a criar as duas netas, em Custoias, Matosinhos. José passou os últimos anos de trabalho na secção de vinhos de um hipermercado e Margarida Castanheira era empregada de refeitório num lar de idosos. Os dois salários davam para ir fazendo obras, sobretudo a partir do momento em que compraram a casa à Câmara: transformaram em tijolo a parede da casa de banho e da cozinha, cimentaram um pátio nas traseiras e, sobretudo, substituíram o chão de madeira. "Tentamos de tudo, parquet, piso flutuante. Agora temos tijoleira, não gosto muito, no quarto, mas tem de ser", diz Margarida.
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As culpadas são as térmitas, formigas com asas que vieram não se sabe de onde. "Dizem que havia aqui um poço que aterraram, para pôr as casas em cima. As térmitas gostam de calor e humidade e o isolamento não deve ter sido bem feito", conta José. Já perdeu a conta aos anos que a praga leva. Fez desinfestações, caras e sem sucesso. Trocou o chão de madeira. Agora, quando chega a primavera, anda de aspirador atrás, para as apanhar mal começam a sair das ombreiras das portas.
A ameaça do amianto
O grande problema, todavia, é o telhado de amianto, até porque ambos já venceram um cancro. Foi isso que os levou a ligar para a Matosinhos Habit, mal encontraram um prospeto na caixa de correio. Se é proprietário e morador e precisa de obras urgentes, dizia, esta é uma "oportunidade única".
Da primeira reunião, trouxeram a lista de documentos a entregar, como os atestados de incapacidade, a prova de que não têm mais imóveis ou contas bancárias recheadas ou a declaração de IRS, que prova os baixos rendimentos. Margarida é reformada por invalidez e, mesmo juntando a reforma de José, só chega para pagar as contas e ajudar uma filha, desempregada. Jamais chegaria para poupar os 12 mil euros dos três orçamentos que já entregaram à Câmara. Por isso, ficaram animados quando receberam um telefonema da Matosinhos Habit, na quinta-feira passada. Agora falta uma carta do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, a confirmar que terão um apoio para as obras. De quanto será o apoio, ainda não sabem. Se não for suficiente, admitem dividir a obra em duas e dar prioridade à substituição do telhado. Para já, José não quer celebrar. "Primeiro, quero receber a carta e fazer contas à vida. E, depois, ver os homens a trabalhar", diz, enquanto olha para o teto falso e pensa no amianto do telhado já abaulado.
Entrevista
No último ano, tivemos mais pedidos de ajuda
Que projetos tem Matosinhos ao abrigo do 1.º Direito?
Temos vários pedidos de financiamento: para qualificar 59 fogos devolutos da Câmara, para recuperar quatro fogos de resposta de emergência a pessoas sem abrigo, para intervir num bloco no Bairro dos Pescadores (tem casas privadas e públicas, se correr bem avançamos para os outros blocos), para reabilitar seis habitações em Perafita e para comprar dois imóveis abandonados.
Quantas casas estão em condições de aderir ao programa?
No total, para o 1.º Direito, temos 1691, que se enquadram em linhas de apoio da Câmara ou candidaturas de beneficiários diretos, de proprietários, que não têm capacidade financeira para custear as obras. Temos um acordo com um prestador de serviços de aconselhamento às famílias proprietárias com carências económicas. Também temos 1100 pedidos ativos de habitação social, quando há dois anos [aquando do levantamento feito pelo IHRU] tínhamos 700.
Ficou surpreendido com o número de casas a precisar de obras?
Fizemos um forte investimento em divulgação, em cruzar informação com entidades diferentes para ter um diagnóstico completo. E a pandemia não ajudou, no último ano tivemos mais pedidos de ajuda.
Como qualifica a burocracia do processo com o IHRU?
É um processo burocrático, mas estamos no bom caminho. Fomos um dos primeiros a negociar com o IHRU, é mais desgastante, porque estamos a partir pedra. Mas assumimos este desafio, mal o Governo lançou a Nova Geração de Políticas de Habitação. E agora somos contactados por outros municípios, que querem saber como fazer.