"Covid" e "saudade" foram duas das palavras mais escolhidas pelos alunos num exercício na sala de aula.
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Após dois meses de confinamento em casa, o regresso à escola foi preparado no último dia de aulas à distância por Sónia Cruz, 49 anos, professora do 4.º ano na EB1/JI de Porto Salvo, em Oeiras. "Podemos beijar-nos com os olhos e abraçar com o coração", disse aos 19 alunos, ansiosos por voltarem a encontrar-se presencialmente.
Consciente de que o comportamento habitual nas crianças é abraçarem-se, sobretudo, quando não estão juntas há algum tempo, Sónia Cruz tentou evitar que isso sucedesse para que o regresso fosse o mais calmo possível. Ao primeiro tempo, tiveram Educação Física. "Era notório pela cara deles que estavam muito felizes. Estavam sempre a rir".
As duas horas seguintes foram passadas na conversa. "Dei uma folha grande e tintas a cada um, pus música clássica e disse-lhes para pintarem o que quisessem e para, no final, escreverem uma palavra ou uma frase, para porem cá para fora os sentimentos", conta a professora. "Covid" e "saudade" foram duas das palavras escolhidas pelos meninos de 9 e 10 anos.
Mais sensíveis
Depois de dois meses fechados em casa, Sónia nota que as crianças estão "mais sensíveis". "São idades em que há muitos conflitos entre eles e choram por tudo e por nada", justifica. "Já não vinham à escola há muito tempo e estão com os nervos à flor da pele", acrescenta. Para lhes dar apoio, passa parte dos intervalos com eles e, por vezes, almoça na escola.
Apesar de cada turma ter uma "bolha" no exterior para passar os intervalos, sem ter contacto com as outras, Sónia diz que os alunos dela costumam brincar numa zona com árvores, junto à sala de aula. No interior da escola todos utilizam máscara, apesar de a professora esclarecer que apenas os meninos de dez anos são obrigados a fazê-lo. Quando sentem falta de ar, deixa que a tirem por instantes. Para garantir que as máscaras são mudadas com regularidade, existem quatro cores na EB1 de Porto Salvo. Sónia pede aos encarregados de educação para mandarem, pelo menos, duas por dia. "Acho que as crianças aceitaram isto tudo melhor do que nós", observa.
Tablets para todos
Embora admita que os alunos sentiram falta das aulas presenciais, a professora do 1.º Ciclo diz que o ensino à distância "correu muito bem". A Câmara de Oeiras emprestou tablets às crianças que não tinham, todos criaram uma conta de e-mail e até aprenderam a fazer powerpoints. "Nunca senti nenhum dos meus alunos triste ou desanimado", garante.
Sónia confessa que o contacto com "demasiada tecnologia" a preocupa. Mas, por outro lado, foi a tecnologia que permitiu que se mantivessem todos em contacto. "Celebravam o aniversário online. Deixava a sessão aberta mais meia hora, depois das aulas, para conversarem e fazerem a festa, sem interferir", revela. Manteve ainda um contacto constante com os encarregados de educação, através de um grupo que criou no WhatsApp, para se "sentirem mais seguros".
À semelhança do que sucedia na escola, às quintas-feiras de manhã, a aula era dada pelos alunos, rotativamente, sobre a matéria que já tinham aprendido. "Eles adoram. Para eles, é um palco. Até os mais tímidos nos surpreendem".
Alunos contentes, pais mais cautelosos
"Às vezes, apetecia-me meter a sociedade dentro da escola. Cá cumprimos as regras. Lá fora, isso nem sempre se passa". A declaração é de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Agrupamentos e Escolas Públicas, para sustentar a ideia de que "as escolas são lugares seguros". O feedback da primeira semana de aulas dos alunos do 1.º Ciclo, após o segundo confinamento, é "muito positivo".
"Não foi um início de ano letivo, mas o regresso a meio de um período letivo ao sítio de que os alunos mais gostam", desdramatiza Filinto Lima. O problema maior, para o dirigente associativo, é a repercussão que as aulas à distância vão ter nas crianças que estão a aprender as primeiras letras. "São elas que vão pagar a fatura mais elevada".
Dois períodos em casa
Filinto Lima não tem dúvidas de que os "cerca de dois períodos letivos" em que os alunos do Pré-Escolar e do 1.º Ciclo estiveram em casa afetaram a preparação, a saúde mental e "fez emergir as desigualdades". "Há alunos que não têm uma simples mesa para estudar, não sabem se vão ter almoço, nem têm um ambiente familiar que os motive para a aprendizagem", lembra.
Professora do 2.º ano na Escola do Arrabalde, em Leiria, Susana Sousa, 47 anos, confirma que quatro dos seus 20 alunos assistiram às aulas pelo telemóvel durante o confinamento. "Só alunos com o escalão A tiveram direito a tablets emprestados e só foi distribuído um por agrupamento em cada agregado familiar", explica.
"Há muita gente carenciada na minha escola, pelo que tentei fugir ao envio de fichas, pois não tinham como as imprimir", conta. Além das falhas constantes na Internet, Susana Sousa explica que a grande diferença entre as aulas presenciais e à distância é que, na escola, é mais fácil acompanhar os alunos com mais dificuldades, o que a levou a reservar um "tempinho" para esclarecerem dúvidas online.
"Os miúdos sentiam necessidade de ter a atenção do professor e da sensação de normalidade", afirma. "Alguns diziam que não estavam a perceber bem para forçar essa situação".
Dores de tanto brincar
O regresso faz hoje uma semana foi um momento de grande felicidade para todos. "Mas chegaram à escola e não sabiam bem como agir", conta a professora de Leiria. "Queriam abraçar-se, mas sabiam que não podiam", relata. "O primeiro tempo, até ao intervalo, serviu para falarmos e para partilharmos o que fazíamos em casa. Precisavam muito de falar uns com os outros".
"Sentiam tanta necessidade de brincar que ficaram todos com dores musculares, tal era a vontade de pular e de rebolar", garante Susana Sousa. Quanto à máscara, "só a tiram para comer", assegura. E se alguém se distrai, é chamado à atenção pelos outros. Nota ainda que o ritmo de trabalho abrandou e que a concentração diminuiu, porque têm de estar mais horas atentos. "Mas com o tempo tudo vai voltar ao normal".
Presidente da Confap, Jorge Ascenção garante que os encarregados de educação estão mais conscientes da gravidade da pandemia. "Os pais já não se aglomeram tanto à porta das escolas. Aguardam mais distanciados ou dentro dos carros", assegura. Diz ainda que o apoio que deram aos filhos em casa os deixou "muito stressados, angustiados e ansiosos", mas conscientes da necessidade de fazerem parte do processo educativo.
Fecho
83 dias
Os alunos do Pré-Escolar e do 1.º Ciclo estiveram 83 dias em confinamento, no ano letivo passado e este ano letivo, contabiliza Filinto Lima.
Datas
5 abril - 5.º ao 9.º ano
Mais de 500 mil alunos do 2.º e 3.º ciclos vão voltar às escolas na segunda-feira após a pausa da Páscoa, altura em que também reabrem os equipamentos sociais na área da deficiência.
19 abril - Secundário e Superior
Os últimos a regressarem às escolas vão ser os alunos do 10.º ao 12.º ano e os das universidades, que totalizam cerca de 700 mil. É o dia das grandes reaberturas dos centros comerciais, restaurantes e ginásios sem aulas de grupo.