Empresas que abandonam a concessão, concursos desertos, produtos que não chegam. Instituições falam em "situação dramática".
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A gestão das cantinas das universidades e politécnicos tem sido, por estes dias, uma verdadeira dor de cabeça para as instituições. Nas concessionadas, há empresas a abandonarem o serviço e outras a ameaçarem sair caso os preços contratualizados não sejam revistos em alta. Nas diretamente geridas pelas instituições, os concursos para fornecimento de bens alimentares ficam desertos. E os que são fechados deparam-se com fornecedores que por vezes não entregam o acordado, obrigando a mudar ementas em cima da hora. Tudo por culpa da inflação e da incerteza a si associada. Reitores e presidentes de politécnicos falam, ao JN, numa "situação dramática" e em "turbulência". Garantindo que tudo farão para que o serviço não falhe.
A prática de concursos para fornecimento de bens alimentares a um ano é passado. "Neste momento, os fornecedores não garantem preços além dos 15 dias, não apresentam propostas, os concursos ficam desertos e compramos à peça e ao dia", explica o reitor da Universidade do Porto, que tem cantinas em concessão e em gestão direta. Há instituições em que que as concessões foram abandonadas face à impossibilidade de rever o preço e António de Sousa Pereira antevê "problemas sérios na renovação do contrato". Falando numa "situação dramática e complexa", que "não se sabe como vai evoluir", o reitor adianta que, "de uma forma generalizada, os concursos [feitos por lotes de alimentos] ficam desertos". Obrigando a "fazer concursos todas as semanas, num acréscimo de trabalho brutal".
Dourada vira carapau
Cenário que se repete na Universidade de Lisboa, onde o administrador dos Serviços de Ação Social fala numa "série de problemas". Com o concurso lançado antes do conflito armado, quando foi para formalizar "muitos fornecedores não entregaram a documentação". Outros há que não assinaram os contratos, deixando os concursos vazios. E, depois, revela Carlos Dá Mesquita, "muitos deixaram de entregar produtos, não cumprem o contrato porque adquirem acima do preço contratualizado". Tendo a ULisboa denunciado já vários por incumprimento à entidade reguladora, até agora "sem qualquer tipo de consequência". Dos 26/27 lotes contratados estima um incumprimento em seis ou sete.
Nunca nenhuma refeição ficou por servir na cantina gerida pela instituição, que fornece 1500/1800 refeições diárias. "Tem havido muita turbulência, não tem sido fácil, mas temos conseguido." Já as ementas têm sofrido variações. "Às vezes, podemos é anunciar dourada e há carapau porque o fornecedor não entregou, nem sempre cumprimos as ementas." Porque, explica o administrador, "o preço que o fornecedor pede é o dobro do contratualizado e legalmente não o podemos aceitar". Identificando um "forte agravamento" no peixe fresco, conservas e enlatados, numa altura em que "a inflação está em patamares completamente impensáveis".
Por outro lado, com a escalada de preços, explica, a ULisboa está a "aproximar-se do limite do montante de compras". Transposta essa fasquia, diz Carlos Dá Mesquita, tem de ser solicitado "visto ao Tribunal de Contas, o que vai criar mais tempo administrativo". Defendendo, ainda, uma "reflexão sobre a legislação, porque não é muito flexível a arranjar uma solução rápida". Havendo denúncia de contrato, um novo concurso pode levar, "no mínimo, dois meses".
Valor "absurdo"
A mesma posição é defendida pela presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, que ontem discutiu o assunto em reunião, lembrando que a lei fixa que o valor máximo a cobrar por refeição social ao estudante é de 2,79 euros. No Politécnico do Cávado e Ave, a que Maria José Fernandes preside, o concessionário "já ameaçou várias vezes que vai rescindir o contrato porque não consegue produzir refeições com aquele preço, é absurdo". Razão pela qual está a estudar a lei do reequilíbrio financeiro para perceber de que forma pode proceder a compensações. "O Governo vai ter de olhar para isto."
No Politécnico do Porto, o contrato em vigor, que já vem de trás, explica o administrador Paulo Ferraz, inclui "a obrigatoriedade de compensação para além do valor social, que nalguns casos chega aos oito euros" por refeição, podendo representar até "60% do orçamento da ação social".
Na Universidade de Coimbra, onde as cantinas são de gestão direta, o reitor Amílcar Falcão fala num "aumento do custo dos produtos, nalguns casos de 30%", mas garante que têm feito a sua "vida normal". Renovando contratos, "há um acréscimo de custos, não há nada a fazer".
Situação idêntica vive-se no Politécnico de Bragança: "Tem havido uma subida dos preços dos bens essenciais, há necessidade de rever os concursos e fazer uma gestão de stocks, mas sem ruturas", explica Orlando Rodrigues.
Na Universidade do Minho, os serviços de ação social informaram já a comunidade académica da pressão inflacionária e do "esforço" que está a ser feito, diz o representante dos estudantes. Segundo Duarte Lopes, "há concursos desertos, ou preços muito elevados, mas não tem havido falhas".