Utilizadores de bicicletas dizem que a Semana Europeia da Mobilidade é “inconsequente"
A Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, MUBi, criticou as “ações inconsequentes” da Semana Europeia da Mobilidade (SEM), que decorre até esta sexta-feira. Refere-se ao evento como uma “feira de vaidades” e culpa o Governo pela falta de mobilidade sustentável.
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Em comunicado, a MUBi afirma que a SEM, tal como o Dia Mundial sem Carros, outra iniciativa que visa promover a sustentabilidade, assinalada anualmente a 22 de setembro, deve “ser a consequência de políticas corajosas”, e não um evento “inconsequente”, cujos resultados não se traduzem na construção de cidades “mais humanas”. “Deve cumprir o seu propósito de abrir discussão pública sobre a temática da mobilidade urbana”, acrescenta a associação.
“A SEM concentra uma panóplia de atividades e eventos bem intencionados que, no final, não derrubam as barreiras a uma mudança de paradigma na mobilidade. Lideramos na produção de bicicletas mas tardamos demasiado em dar o salto do automóvel pessoal para os modos ativos e sustentáveis”, refere.
Evento “serve para limpar consciências”
“Ano após ano, vemos o investimento na mobilidade sustentável e nos modos ativos relegado para segundo plano”, comenta a associação, e acrescenta ainda que a Semana Europeia da Mobilidade “serve para limpar consciências”, concentrando “um arrastão de atividades muitas vezes avulso”, sem tradução expectável numa mudança de paradigma no que respeita a mobilidade.
“Ao mesmo tempo que mais uma vez Portugal lidera na produção de bicicletas, embatemos diariamente numa realidade em que, por falta de investimento e criação de infraestrutura adequada, continuamos muito aquém da meta para 2030 de 10% das viagens em meio urbano a serem realizadas em bicicleta”, sublinha.
A Comissão Europeia (CE) concebeu a SEM em 2002. O MUBi lembra que desde esse ano têm ocorrido múltiplas graves catástrofes naturais na Europa que têm colocado o foco político na preservação do equilíbrio ambiental, apontando ao setor dos transportes, aquele que mais contribui para as emissões de gases carbónicos.
“Com esta base histórica, a MUBi considera que a SEM deve ser uma altura em que (…) se inauguram novas medidas permanentes; e uma oportunidade para gerar debate sobre as visões de cidade - passadas, presentes e futuras - que influenciam os padrões de mobilidade, envolvendo de modo inclusivo as populações e as organizações ativas nos vários concelhos do país”, explicam os utilizadores de bicicletas.
Há bons exemplos pelo mundo
O primeiro Dia Mundial sem Carros foi celebrado há 23 anos e, a nível nacional, as autarquias aderiram e fecharam as suas vias ao trânsito de automóveis pessoais. Mas, após este “entusiasmo inicial (…) tudo encalhou”, e passou-se a comemorar a data em ruas pequenas e feiras “tímidas”.
“Enquanto em Portugal organizávamos momentos de mobilidade ativa divertida, com dia e hora marcada, corridas de karts, mostras de carros elétricos e trotinetes, distribuíamos folhetos com palavras bonitas e boas intenções, o mundo não parou”, diz a associação.
A capital da Colombia, Bogotá, “comemora a data” todos os domingos, isto é, fecha as suas ruas de fim de semana a fim de semana, permitindo a circulação de cerca de um milhão de pessoas, quer seja a andar ou a pedalar. Também a cidade de Bruxelas, na Bélgica, com 1.2 milhões de habitantes, desimpede a via pública durante a Semana Europeia da Mobilidade.
Vera Diogo, presidente da MUBi, refere que “o Plano Nacional Energia e Clima afirma o compromisso de Portugal reduzir em pelo menos 40% as emissões do setor dos transportes, até 2030”. E pergunta: “É sabido o que é necessário e urgente fazer. Resta saber o que será preciso para levar os decisores políticos a agir. Será preciso que o ar se torne irrespirável?”.
Perpetuar padrões não protege as famílias
“Em Portugal, o setor dos transportes é responsável por 28% das emissões de gases com efeito de estufa (…), o transporte rodoviário é responsável por mais de 95% destas emissões e, paradoxalmente, em vez de desinvestir nele, o Governo destinou perto de mil milhões de euros do PRR à construção de estradas, continua a apoiar o consumo de combustíveis fósseis rodoviários, afirmando inclusive poder vir a aumentar esse apoio face às últimas subidas de preços, com o intuito de ‘proteger as famílias’!”, exclama a MUBi.
“Como é que a perpetuação de um padrão de mobilidade insustentável pode ser encarado por responsáveis políticos como uma medida de protecção?”, questiona.
A MUBi comenta que só ao planear o espaço público “de modo participado”, priorizando a mobilidade ativa e o transporte público, desincentivando o transporte individual, é que se protegem as famílias portuguesas. “Numa sociedade mecanizada, em que as prioridades estão trocadas, alocamos mais espaço aos automóveis do que às pessoas, com nefastas consequências para o bem estar físico e mental”, defende.
É estimado que aproximadamente 70 a 80% do espaço público urbano português é ocupado por carros - “uma usurpação do espaço público”, pronuncia -, sendo o estacionamento ilegal “uma constante”, bem como a velocidade de circulação excessiva, o que dificulta ou impossibilita a fruição das áreas residenciais.
“Proteger as famílias seria reduzir para 30 km/h o limite de velocidade nas localidades, conforme recomenda a OMS, criando medidas físicas de acalmia de tráfego. Proteger as famílias seria pedonalizar os centros urbanos e partes significativas das áreas de residência, limitando também o acesso de automóveis às áreas escolares”, indica a MUBi.
A MUBi é uma associação portuguesa cuja missão é auxiliar na criação de condições para que qualquer pessoa possa pedalar facilmente, de forma agradável e segura, fazendo com que os benefícios da opção pela bicicleta sejam reconhecíveis.