Processos contra estabelecimentos abertos pela ASAE duplicaram em 2021 face ao ano anterior. Dezenas de jovens foram identificados.
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Entre 2019 e 2021, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) abriu 457 processos contra estabelecimentos por venda de álcool a menores que resultaram na aplicação de mais de 619 mil euros em multas. De acordo com os dados enviados ao JN, em 2019, a ASAE identificou 41 jovens com menos de 18 anos por consumo de bebidas alcoólicas. Este ano, foram 29. As restrições, impostas pela pandemia de covid-19, travaram registos em 2020 e em 2021.
O maior número de processos foi aberto no ano passado: 228 - o dobro face aos 111 de 2020 -, resultando na aplicação de mais de 232 mil euros em coimas. Indicadores superiores ao de um contexto pré-pandemia (2019), quando foram abertos 118 processos e cobrados mais de 224 mil euros em multas. Em 2020, os 111 processos deram origem a mais de 161 mil euros em multas. Quanto aos menores, 14 foram identificados em Lisboa, sete em Oeiras, seis em Mafra e dois na Guarda.
"Números muito baixos que não transmitem a realidade do consumo" entre os jovens, lamenta o subdiretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). Para a fiscalização ser eficaz, assume Manuel Cardoso, a ASAE e também a GNR e a PSP teriam de ter "muitíssimos mais recursos".
Consumo pode disparar
Em 2019, a prevalência de consumo de álcool tinha diminuído entre os jovens, mas a tendência é que, nos períodos pós-crise (neste caso de pós-pandemia), os consumos de risco disparem. "A libertação é acompanhada de um aumento do risco que, depois, tende a estabilizar", alerta Manuel Cardoso.
A psicóloga clínica Margarida Gaspar de Matos também prevê uma subida dos consumos que podem atingir níveis superiores aos da pré-pandemia. Em geral, explica, os consumos dos jovens acontecem em contexto de socialização. Por isso, baixaram durante os confinamentos e podem voltar a aumentar agora, alerta.
"No regresso às rotinas os jovens falam de uma ânsia pela vida de antes, falam do aumento do tempo online durante a pandemia e de um aumento do consumo de psicotrópicos. E pedem ajuda para encontrar alternativas a este uso excessivo de ecrãs e de medicação", revela a professora da Faculdade de Motricidade da Universidade de Lisboa.
Margarida Gaspar de Matos considera que a descida nos consumos durante a pandemia pode ser aproveitada como uma "oportunidade" para mudar comportamentos. Já Manuel Cardoso lamenta a ineficácia da fiscalização. Um dado estatístico que aponta para essa ineficácia, sublinha, são as estatísticas (como o último estudo do SICAD em 2020) que revelam um aumento de consumo entre todas as faixas etárias a partir dos 13 anos e que se esbate entre os 17 e os 18 anos . "Se a fiscalização fosse eficaz, tinha de haver uma diferença entre os mais novos e os que atingem a maioridade", frisa.
Tolerância social
É positivo o facto de a mensagem da lei ser "muito clara": O álcool é uma substância tóxica que afeta o sistema nervoso e, quanto mais novos são os consumidores, maiores os riscos de lesões. O maior obstáculo "é a tolerância social ao consumo".
"Só existe alguma reação quando são afetados terceiros, como nos casos de violência doméstica ou dos acidentes de viação. Mesmo assim, vira-se a cara para o lado ou culpa-se o álcool e não as pessoas que o consomem", defende. O subdiretor aponta, como exemplo de tolerância, a reação de alguns pais ao serem notificados por os filhos terem sido apanhados alcoolizados.
"Alguns também estão embriagados, em festa, ou já estão deitados e não querem saber. Temos muitas respostas nesse sentido". Mudar mentalidades para alterar comportamentos de risco é, por isso, o grande desafio para Manuel Cardoso.
Impostos sobre bebidas podem subir
A Estratégia Nacional da Luta Contra o Cancro, que esteve em consulta pública até 29 de julho, abre a porta ao aumento dos preços do álcool através de uma proposta de atualização anual das taxas sobre estas bebidas. Em cima da mesa, está também aumentar as restrições ao consumo, bem como propostas para restringir o marketing e a publicidade às bebidas alcoólicas. Segundo o documento da Direção-Geral de Saúde, Portugal é um dos países europeus onde se consome mais álcool. "Estima-se que 3,6% da população portuguesa tenha um consumo de risco elevado/nocivo (2,8%) ou dependência (0,8%)".