Vital Moreira e a Comissão Nacional de Eleições: "Lei é confusa, arbitrária e excessiva"
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) viu-se obrigada a vir esclarecer que os governantes podem afinal fazer inaugurações até às europeias, a 26 de maio. A reação surgiu após a polémica que envolve António Costa, que esta semana está a descerrar placas em centros de saúde, e após um coro de críticas de vários autarcas.
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Porém, o órgão fiscalizador dos atos eleitorais, que recebeu 50 queixas desde 26 de fevereiro por alegada violação da lei da cobertura jornalística das eleições, manteve a imposição contestada pelos autarcas: a proibição de publicitarem obras, serviços, atos e programas. Uma interpretação considerada "excessiva" pelo constitucionalista Vital Moreira, que classifica a lei como "confusa".
Apesar de parecer um esclarecimento à medida de Costa, de quem o CDS ameaçou fazer queixa devido às inaugurações, a CNE justificou a reação dada a "discussão pública" desencadeada assim que emitiu, a 6 de março, uma nota informativa com as limitações.
Proibições mantêm-se
Sublinha a CNE que os "órgãos do Estado e da Administração Pública não estão, no desenvolvimento das suas atividades, impedidos" de realizar ou participar em eventos, entrevistas, discursos ou responder à Comunicação Social. Podem participar ainda em "conferências, assinaturas de protocolos ou inaugurações".
Por outro lado, a CNE considera que o artigo 10.º da lei trava "suportes publicitários ou de comunicação" e "posts em contas oficiais de redes sociais com hashtags promocionais, slogans", principalmente se tiverem "mensagens elogiosas".
Questionado pelo JN sobre se a interpretação da lei é uma interferência no direito à informação, o porta-voz da CNE, João Machado, recusou "qualquer comentário que contribua para o tom da crispação verificado".
Hoje à tarde, a CNE reúne tendo em cima da mesa as 50 queixas e denúncias contra vários titulares de órgãos públicos, recebidas desde 26 de fevereiro, quando o decreto presidencial marcou as eleições. Entre aquela meia centena, estão três que visam António Costa.
cancelamento a medo
O esclarecimento da CNE chegou depois de a Associação Nacional de Municípios ter pedido uma audiência a Marcelo Rebelo de Sousa, após vários autarcas terem adiado inaugurações e contratos de publicidade. O presidente da Câmara da Póvoa do Varzim, Aires Pereira, cancelou a apresentação da obra do bairro da Matriz, marcada para amanhã, onde pretendia "tirar dúvidas, explicar cortes de trânsito, estacionamento".
"É um verdadeiro absurdo! Esta "lei da rolha" que pretendem impor às autarquias irá fazer com que tenhamos muita dificuldade em comunicar", disse ao JN, admitindo que vai parar com o envio de informação institucional e mandar retirar todos os cartazes da campanha "É bom viver aqui!".
O PS anunciou que vai apresentar uma alteração à lei, mas ao JN fonte parlamentar recusou adiantar se o fará esta semana. Para o constitucionalista Vital Moreira, há a possibilidade de um "processo legislativo por urgência vir a ser votado por uma maioria, mas é difícil legitimá-lo a tempo de evitar que haja esta proibição sobre os municípios quando se trata de umas eleições europeias ou até legislativas".
"Lei é confusa, arbitrária e excessiva", diz o constitucionalista Vital Moreira
É abusiva a leitura que a CNE está a fazer da lei?
O artigo da lei não é claro a quem é que abrange e, por isso, permite a leitura mais lata, excessiva e rigorosa da Comissão Nacional de Eleições. Porque a lei também consente uma interpretação menos exigente. Mas não culpemos a CNE.
Qual é a solução, neste momento?
Em vez de se criar esta confusão e queixas de uns partidos contra os outros, que vão originar uma verdadeira guerrilha, o importante era clarificar a lei. Estabelecer que a inibição dos órgãos administrativos corresponde ao período das respetivas eleições. E existir um período fixo para a proibição, que não dependesse da data em que são marcadas as eleições, que é sempre aleatória.
Se os partidos estiveram todos de acordo com a necessidade de criar este artigo, como é que se vai mudar o seu conteúdo?
O que lá está não satisfaz a ninguém. É confusa, arbitrária no tempo em que se aplica - já que depende do facto aleatório do momento em que as eleições são convocadas - e é excessiva, já que abrange entidades em relação às quais não haverá eleições.
É uma alteração rápida?
É um processo que não será tão rápido, demora algum tempo. Sendo que a questão é também se há condições políticas para o fazer.