Os chamados partos normais (de baixo risco, sem indução ou necessidade de instrumentos), desde o momento do internamento hospitalar da grávida até às primeiras horas de vida do recém-nascido, vão poder ser totalmente assegurados por enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica (EEESMO). A intervenção do médico obstetra ficará reservada para partos mais complexos e instrumentalizados.
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As alterações fazem parte de uma orientação da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre os cuidados à parturiente e ao bebé durante o trabalho de parto. A orientação, assinada pelo subdiretor-geral da Saúde, Rui Portugal, vem clarificar e oficializar o papel de cada profissional de saúde durante o trabalho de parto e nascimento do bebé, rentabilizando os recursos humanos num momento de grande carência de obstetras, anestesistas e pediatras nas maternidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A orientação decorre de uma proposta da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Blocos de Parto que, face à falta de médicos para assegurar as escalas, propôs no final do verão passado o encerramento de seis maternidades públicas, um plano entretanto afastado.
Ao JN, o coordenador da comissão, Diogo Ayres de Campos, destacou a importância da orientação que coordenou na uniformização de práticas e na otimização do trabalho, mas deixou algumas dúvidas que venha a aliviar as "equipas médicas porque já estão muito reduzidas".
Já há vários hospitais do SNS em que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica fazem os partos normais, mas a orientação vem oficializar esta competência e detalhar, ao pormenor, quem faz o quê nos partos de baixo risco e nos que exigem vigilância acrescida. Descreve ainda as situações em que é necessário chamar o anestesista e o neonatologista/pediatra.
"Nos partos eutócicos [normais], o responsável pelo parto será preferencialmente um EEESMO, enquanto nos partos vaginais instrumentados será sempre um médico de obstetrícia e ginecologia", refere a DGS, esclarecendo que o "responsável pelo parto" é "o profissional de saúde que presta a principal assistência à parturiente e ao feto na altura da realização dos esforços expulsivos maternos e do parto, bem como os principais cuidados à mulher no pós-parto imediato".
"Passo importante"
Para a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, uma das grandes conquistas da norma é a possibilidade do enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica poder internar uma grávida em trabalho de parto de baixo risco. Este ato era exclusivo dos médicos e agora pode ser feito por ambos, conforme descrito na orientação.
Alexandrina Cardoso, que integrou a comissão de EEESMO criada para a discussão das novas regras, destaca o contributo da orientação para uma melhor gestão dos recursos do SNS na sala de partos e para o respeito pelo parto não medicalizado. "Ainda não está perfeito, não observa todas as recomendações da OMS, mas é um passo importante no sentido de termos mais saúde para as mulheres para quem o parto não é doença", referiu.
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Cores distinguem salas de parto
A orientação da DGS determina que os quartos individuais dos blocos onde está a decorrer um trabalho de parto de baixo risco devem ser assinalados com sinalética verde. Já as situações de trabalho de parto de vigilância acrescida devem ser sinalizadas com a cor amarela. É uma forma intuitiva de as equipas saberem os recursos que são necessários em cada situação, explica Alexandrina Cardoso.
80% dos partos são de baixo risco
Segundo a enfermeira, professora na Escola de Enfermagem do Porto, cerca de 80% dos partos realizados no país são de baixo risco, ou seja, podem ser assegurados do início ao fim por enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, cuja formação é de seis anos.
Critérios com base em evidência
A avaliação da grávida e a classificação do parto como de baixo risco pode também ser feita pelo enfermeiro especialista, desde que cumpra os critérios descritos na orientação da DGS. De acordo com Diogo Ayres de Campos, as recomendações da orientação "seguem a evidência científica mais recente".