O ex-secretário de Estado das Infraestruturas reconheceu, na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da TAP, que não devia ter enviado um e-mail à ex-CEO da empresa a sugerir que se alterasse a data de um voo no qual embarcaria o presidente da República. Ainda assim, Hugo Mendes negou que essa "opinião infeliz" fosse uma ordem a Christine Ourmières-Widener. Também negou qualquer "ingerência" das Infraestruturas na companhia e disse ter-se esquecido de ter autorizado o pagamento da indemnização a Alexandra Reis.
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"Naturalmente, penalizo-me pelo comentário que partilhei com a ex-CEO sobre o sr. presidente da República", afirmou, esta quarta-feira, o antigo governante. No entanto, assegurou que apenas pretendeu "sinalizar" um ponto de vista.
"Limitei-me a partilhar uma opinião", vincou Hugo Mendes. "Ela foi, sem dúvida, infeliz, mas eu não dei nenhuma instrução. Na relação de respeito que tinha com a ex-CEO, uma opinião minha era isso mesmo, e ela sabia-o: uma opinião para ser tida em conta se não causasse dano à empresa, o que caberia a ela própria avaliar", sustentou.
Hugo Mendes garantiu que Christine Ourmières-Widener esteve em sintonia com ele durante esse episódio. "Tanto a ex-CEO sabia que [esse e-mail] não era uma instrução que tomou a decisão que entendeu ser melhor, na esfera da sua autonomia", frisou.
Ourmières-Widener, recorde-se, acabou por não seguir a vontade do ex-secretário de Estado e manteve a data do voo, ocorrido em março de 2022. Tratava-se de um trajeto que partia de Moçambique, país onde, nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa se encontrava em visita oficial.
O ex-secretário de Estado justificou que o seu e-mail para a ex-CEO tinha o objetivo de "sinalizar, com alguém com quem tinha uma relação profissional de confiança, o apoio que o sr. presidente da República deu à difícil decisão do Governo de resgatar a TAP em 2020".
Hugo Mendes lembrou, contudo, que o contacto não partiu dele e sim da ex-CEO, que lhe enviou um e-mail "a expressar uma dúvida". Apesar disso, voltou a garantir que se arrepende do teor da sua mensagem: "Reconheço que não devia ter emitido nem partilhado aquela opinião, tanto no seu conteúdo como na forma", reforçou.
Interrompido duas vezes devido a linguagem imprópria
Uma das preocupações de Hugo Mendes durante a intervenção inicial foi tentar demonstrar que o ministério das Infraestruturas nunca teve qualquer "interferência" na TAP. Ao abordar esse tema, foi duas vezes interrompido pelo presidente da CPI, Lacerda Sales, devido ao uso de linguagem que este considerou imprópria.
A primeira interrupção ocorreu depois de Hugo Mendes ter acusado a comissão de fazer leituras "fragmentadas" de mensagens e de e-mails. Estas, no seu entender, serviram para produzir "teorias fantasiosas e julgamentos sumários de carácter e de competência". Lacerda Sales pediu-lhe que moderasse as considerações sobre o trabalho da CPI.
Minutos mais tarde, o presidente da comissão decidiria intervir uma segunda vez, após o ex-secretário de Estado ter classificado como "ridícula" a ideia de que o ministério das Infraestruturas quisesse impedir a TAP de comunicar com as Finanças. Para Hugo Mendes, essa acusação não tem cabimento porque as Finanças, além de serem "o ministério mais poderoso do Governo", também são quem "controla as contas" da transportadora.
Lacerda Sales pediu que Hugo Mendes passasse a recorrer a "linguagem mais urbana", observando que a palavra utilizada "expressa um juízo de valor". Nessa altura, Paulo Moniz, deputado do PSD, fez uma interpelação à mesa, considerando que a audição estava "a resvalar para linguagem desrespeitosa" por culpa de um ex-governante que, referiu, teve o "desplante" de enviar à ex-CEO da TAP um e-mail a interceder pelo presidente da República.
Desconhece se terão sido pagos 8,5 milhões a 13 administradores
Sobre a saída de Alexandra Reis - num processo que envolveu o pagamento de uma indemnização de 500 mil euros -, Hugo Mendes revelou ter concordado em afastar a ex-administradora para, "como se diz agora, empoderar" a ex-CEO. Esta teria, alegadamente, atritos com Alexandra Reis, e Hugo Mendes quis reforçar a "autoridade" de Ourmières-Widener. Frisou que os advogados da TAP nunca levantaram "riscos jurídicos" relativamente ao acordo.
Questionado acerca do motivo pelo qual, numa troca de mensagens com a ex-CEO, tinha dito que Alexandra Reis "só" iria receber meio milhão de euros, o antigo membro do Governo respondeu que a ex-administradora ganhava 55% do que o ex-administrador David Pedrosa auferia nos tempos da gestão privada.
Mendes revelou também que houve trabalhadores da TAP que saíram com indemnizações de 250 mil euros, embora não tenha conseguido precisar quantos. Disse ainda que, embora compreenda o "alarme público" quanto ao valor da indemnização de Alexandra Reis, o meio da aviação "é dos mais bem pagos do mundo".
O deputado da IL, Bernardo Blanco, referiu que, entre 2019 e 2022, terão sido pagos 8,5 milhões de euros a 13 administradores da TAP, montante que chegaria a 9 milhões se somados os 500 mil euros de Alexandra Reis. Hugo Mendes disse desconhecer.
Responsabiliza advogados da TAP sobre caso Alexandra Reis
Questionado por André Ventura, do Chega, sobre o comunicado que a TAP fez chegar à CMVM relativamente à saída de Alexandra Reis, Hugo Mendes admitiu que o Governo soube do referido documento, ainda que não se tenha pronunciado.
Ventura quis saber como é que a ex-administradora teve direito a indemnização se, de acordo com o comunicado, estava a deixar a TAP para abraçar "novas oportunidades profissionais" - ou seja, saía porque queria. Hugo Mendes remeteu sempre as responsabilidades para os advogados da TAP, sublinhando que nem a ex-CEO nem Alexandra Reis deram "um passo" sem os consultar.
"Não tenho nenhum motivo para achar que há ali alguma mentira", frisou Hugo Mendes, lembrando que o Governo apenas deu "anuência política", e não técnica, à saída de Alexandra Reis. Perante a insistência de Ventura, ironizou que os governantes não têm de ter "doutoramentos em Direito". Afirmou que é para isso que existem equipas de advogados, tendo sido essa a razão pela qual o Governo assumiu que os representantes jurídicos da TAP estavam a gerir o dossier da indemnização da forma correta.
Sobre o "ok" dado ao valor da indemnização, o ex-governante afirmou que se esqueceu de ter trocado, com Pedro Nuno Santos, a mensagem que autorizava os 500 mil euros. Referiu ainda que não tinha o telemóvel consigo porque o partiu durante uma visita ao porto de Sines.
Segundo relatou, só soube da referida mensagem pela comunicação social, uma vez que, quando divulgou o comunicado em que anunciava que se demitia, já não tinha memória dessa conversa. Contestou a expressão utilizada pelo inspetor-geral de Finanças, António Ferreira dos Santos, quando se referiu ao caso na CPI: não houve uma "evolução de pensamento" da parte de Pedro Nuno Santos e dele próprio, defendeu Hugo Pires; o que houve foram "factos novos".
Esteve "menos bem" em dois momentos a envolver Alexandra Reis
Hugo Mendes admitiu ter estado "menos bem" em duas situações. A primeira foi o facto de não ter comunicado, ao ministério das Finanças, a indemnização paga a Alexandra Reis. Ainda que, conforme sublinhou, não tivesse "dever legal de comunicação" desse dado às Finanças, reconheceu que deveria tê-lo feito por uma questão de "boa articulação política".
A segunda situação em que o ex-governante admitiu falhas foi o facto de não ter abandonado uma reunião com a TAP, a 26 de dezembro de 2022, no momento em que os representantes da companhia começaram a discutir os moldes de uma resposta que dariam ao Governo. O Executivo, recorde-se, tinha pedido à TAP que explicasse o "enquadramento jurídico" e o valor da indemnização a Alexandra Reis.
"Não saí da reunião e esse foi o meu erro, que assumo", referiu Hugo Mendes. Assegurando que nunca chegou a conhecer o "quadro jurídico" da indemnização e que foi à reunião por entender ser seu "dever" conhecer melhor um processo cujo valor tinha validado, atirou: "Só não erra quem não é chamado decidir coisa nenhuma. E quem aspira à decisão perfeita acaba paralisado".
Governo nunca cedeu a pressões para criar "rotas políticas"
Hugo Mendes afirmou que, durante os cerca de dois anos em que esteve no Governo, o ministério das Infraestruturas foi "bombardeado" com pressões para que se criassem aquilo a que chamou "rotas políticas". Essas pressões, referiu, vieram dos meios político, económico e civil, e ocorriam "independentemente da rentabilidade comercial" das rotas e de estas poderem, eventualmente, "agravar as contas" da TAP.
O antigo governante citou duas declarações antigas de Rui Rio, ex-líder do PSD, nas quais este argumentava que era preciso "exigir" que a TAP servisse todas as regiões do país, uma vez que se tratava de uma empresa pública. No entender de Hugo Mendes, ceder a este tipo de pressões é que seria fazer "ingerência" na empresa.
"Nunca cedemos a qualquer pressão externa nem fizemos qualquer pressão interna", afirmou o antigo secretário de Estado de Pedro Nuno Santos. "A nossa resposta foi sempre a mesma: quem decide para onde a TAP voa é a comissão executiva", acrescentou, alegando que criar novas rotas poderia significar a injeção de mais dinheiro e o incumprimento do plano de reestruturação.
Antes da audição, os partidos procederam à votação de vários requerimentos. Um deles apresentado pelo PSD, visava convencer a CPI a enviar, ao Ministério Público, as declarações feitas em sede da comissão pelo ministro João Galamba. A CPI chumbou-a, tendo os sociais-democratas anunciado que farão a queixa à mesma junto da referida entidade. Também foi chumbada uma nova audição a Galamba.
Esta quinta-feira é ouvido Pedro Nuno Santos. O atual ministro das Finanças, Fernando Medina, fala à comissão de inquérito na sexta.