Autoridade do medicamento, hospital e laboratório tentam acelerar processo para tratamento de Matilde. Há mais nove bebés em condição semelhante.
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Há esperança para Matilde, a bebé de dois meses e meio que sofre de Atrofia Muscular Espinhal tipo 1 e está internada no Hospital de Santa Maria.
Na terça-feira, graças a uma onda de solidariedade, foram conseguidos os 2 milhões de euros necessários para comprar o Zolgensma, o medicamento mais caro do mundo, para a sua terapia. Mas a verba poderá até não ser necessária, caso o hospital avance com um pedido de Autorização de Utilização Excecional (AUE) ao Infarmed. O JN sabe que, ontem, a autoridade do medicamento manteve "contactos com o hospital e o laboratório para recolher informações" sobre o processo. A AveXis, empresa do grupo Novartis, responsável pelo Zolgensma, diz que ambas estão "em contacto" com a família.
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O medicamento ainda está em avaliação pela Agência Europeia do Medicamento, o que inibe a sua utilização na Europa. Contudo, existe a possibilidade de o médico e hospital, responsáveis pelo tratamento, solicitarem uma AUE, o que permitirá que o medicamento seja utilizado no âmbito do SNS. Contactado, o Infarmed não quis confirmar se já recebeu, ou não, um pedido de AUE do Santa Maria.
"Atingimos o objetivo do valor do medicamento, provavelmente teremos despesas adicionais. Estamos aguardar respostas protocolares e que a saúde da Matilde melhore para podermos avançar com os próximos passos", escreveram os pais da bebé no Facebook, prometendo que o valor angariado em 13 dias que não venha a ser utilizado "será doado às famílias com outras "Matildes"". Em Portugal há mais nove bebés com menos de dois anos com esta doença.
Muitas questões a analisar
Há muitas questões "que agora se levantam e têm de ser analisadas", diz Joaquim Brites, presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares, como "a capacidade da criança viajar para os Estados Unidos, onde o Zolgensma foi autorizado, ou como o medicamento pode ser usado em Portugal". O dirigente, que está em contacto com os pais de Matilde Sande, conta que se está a tentar "que a bebé possa ser tratada em Portugal ou o mais próximo possível", para não "sacrificar" mais a família.
Brites diz que em Portugal há "mais nove casos de crianças com menos de dois anos" com a doença. A Matilde "é a mais nova" e deverá começar a ser tratada "nos próximos dias", tal como as outras crianças, com um medicamento que já está autorizado em Portugal e é comparticipado a 100% pelo SNS: o Nusinersen (vendido com o nome Spinraza) que é tomado ao longo da vida. Um tratamento não exclui o outro, mas é no Zolgensma que recai a esperança, pois é "o primeiro tratamento de terapia génica, destinado a reparar a célula que está defeituosa e não produz a proteína necessária". O outro "apenas" permite "adiar a evolução da doença", explicou Brites.
Outros casos
Guilherme não sobreviveu, mas pais enaltecem SNS
"Não digam mal do Serviço Nacional de Saúde porque os médicos e enfermeiros fizeram tudo pelo meu filho", disse ao JN Rui Cardoso, pai de Guilherme, o bebé que nasceu com a mesma doença de Matilde. A custo zero, Gui fez 4 tomas de um outro medicamento que continua sem estar à venda em Portugal. "Sentimos que ele melhorou, mas acabou por morrer com outros problemas", frisou Anabela Silva, a mãe.
Simão sobrevive com fármaco financiado
Simão Barbedo fez ontem 21 meses. Foi diagnosticado com Atrofia Muscular Espinhal tipo 1 aos dois. Desde os quatro, são-lhe administradas doses regulares de Spinraza, o único medicamento disponível em Portugal para travar a progressão da doença. Simão, natural da Gafanha da Nazaré, Ílhavo, é uma das outras nove crianças portuguesas com o mesmo diagnóstico que Matilde. E os seus pais anseiam que o Zolgensa, que promete a cura, seja aprovado no nosso país.
Cátia Almeida, 32 anos, teve uma gravidez normal, com o primeiro filho a nascer às 41 semanas de gestação, a 2 de outubro de 2017. O primeiro alerta surgiu no centro de saúde, na consulta do primeiro mês de vida: Simão não tinha força para se tentar levantar, quando lhe estendiam as mãos. Depois de ser visto por um pediatra particular - "que nos avisou logo que o Simão não era normal", recorda o pai, João Barbedo, 27 anos -, o menino foi encaminhado para o Hospital Pediátrico de Coimbra, onde ainda hoje é seguido.
Não havia previsões
O diagnóstico viria passado pouco tempo: Atrofia Muscular Espinhal tipo 1."Falaram-nos de um medicamento que ainda não estava disponível no mercado, nem sabiam quando ia estar. Foi desesperante, não havia previsões. Felizmente, chegou a Portugal pouco tempo depois e é o que o Simão toma desde aí", explica João.
600 euros em terapias
Totalmente comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde, o Spinraza tem as primeiras quatro doses a serem administradas com intervalo de 15 dias. Passado um mês, uma quinta. A partir daí, para toda a vida, de quatro em quatro meses. Simão foi a terceira criança, em Portugal, a tomá-lo.
"Olá" é a palavra que Simão mais diz. Ele, que começou há pouco tempo a sentar-se sozinho, que entende tudo o que lhe dizem e que sabe bem quais os brinquedos da sua preferência. Os pais sabem que Simão vai ter mais dificuldades em falar, em engordar ou em caminhar. Mas apoiam-se nos relatos de sucesso existentes, como é o caso de uma criança dos Estados Unidos, que também toma o Spinraza, e que tem seis anos e caminha. E apoiam-se nos pais das outras crianças portuguesas com a doença.
"Gostávamos muito que o novo medicamento [Zolgensa] chegásse a Portugal rápido. Até porque a sua administração após os dois anos ainda está em ensaios clínicos e o Simão faz dois anos em outubro. É uma luta contra o tempo", frisa Cátia. "Todos os outros meninos têm direito a ter acesso", sublinha.
Simão deixou a sonda nasogástrica, pela qual era alimentado, após ter feito uma gastrostomia, que lhe fixou uma sonda junto ao estômago. As suas secreções já não precisam de ser "aspiradas de cinco em cinco minutos", pois expele-as sozinho. Mas, em casa, tem que haver um "simulador de tosse assistida, um ventilador, para quando dorme, oxigénio, entre outras coisas". "É fornecido por um empresa, através do hospital. Do nosso bolso temos que pagar fisioterapia e terapia da fala, ambas duas vezes por semana. Só para isso são quase 600 euros", revela Cátia.