Risco de morte é baixo e homogéneo dos 40 anos para baixo. Ordem dos Médicos e imunologistas defendem fim do critério etário. Diretora do ACES Porto Oriental demite-se após decisão polémica.
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A estratégia de vacinação pode ser ajustada, mas de forma concertada a nível nacional. Imunologistas ouvidos pelo JN alertam para a urgência de acelerar a imunização e sugerem soluções como uma política de porta aberta ou "happy hour". A discussão segue-se a uma "vacinação aberta", organizada pelo agrupamento de centros de saúde (ACES) do Porto Oriental, cuja diretora, Dulce Pinto, se demitiu após duras críticas da task force da vacinação. O caso está nas mãos da Polícia Judiciária e Inspeção-Geral de Saúde.
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Gouveia e Melo, líder da task force, quer abrir a vacinação a toda a população adulta a partir de 4 de julho, daqui a pouco mais de uma semana. Com tão pouco tempo até lá, admite Nuno Alves, imunologista do i3S, poderá não fazer sentido revolucionar a política atual, que começou nos mais velhos e grupos de risco e foi descendo escalões etários (o autoagendamento está aberto para os mais de 30 anos).
Em alternativa, admite uma espécie de "happy hour" pensada para adolescentes. "À medida que descemos nos escalões etários, a resposta ao apelo à vacinação vai diminuindo", afirmou. Se os mais velhos comparecem no dia e hora marcados, já os escalões etários abaixo faltam mais. Como as vacinas não podem ser guardadas para o dia seguinte, diz, faz sentido que adolescentes se desloquem aos centros de vacinação, ao final do dia, para receber doses sobrantes.
Em paralelo, se se comprovar que os jovens são mais renitentes em tomar a vacina, recomenda que se invista em campanhas de sensibilização.
Nível de risco semelhante
O maior absentismo dos jovens é notado por Miguel Prudêncio, do Instituto de Medicina Molecular, que propõe porta aberta a quem se queira vacinar. A justificação é simples: abaixo dos 40 anos, o risco de morte é muito menor e com pouca diferenciação. "Nos 20, 30 e 40 anos, os valores são tão baixos que não me choca que sejam vacinados ao mesmo tempo".
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A grande ressalva é a faixa dos 50 aos 64 anos, cujo risco de morte ainda é alto. A 20 de junho, segundo o relatório de vacinação, mais de metade (57%) só tinha uma dose e 27% ainda nem iniciara a imunização. "A abertura da vacinação a todos só faz sentido se se proteger esta faixa etária", disse.
E só faz sentido se for feita a nível nacional. "Estou contra decisões unilaterais", diz Miguel Prudêncio. "Apesar de correta, poderá levantar dúvidas, numa altura em que a comunicação é importante", entende Nuno Alves.
Vacinar todos já, diz Ordem
Para a Ordem dos Médicos, a estratégia devia ter mudado há semanas. Para António Diniz, do gabinete de crise, os objetivos iniciais foram conseguidos: diminuir a mortalidade, depois a ameaça ao Serviço Nacional de Saúde, a seguir a comorbilidade. Agora, a meta é "conter a progressão do vírus". Para isso, a vacinação tem de avançar "já", admitindo como único impedimento a quantidade de vacinas disponíveis.
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A 20 de junho, Portugal tinha armazenadas 525 mil vacinas, para "assegurar as segundas doses da semana seguinte" e compensar "eventuais" falhas das farmacêuticas, disse fonte oficial. Diniz contesta: "Que sentido faz guardar vacinas? Se as usarmos já, e não daqui a três dias, são três dias que ganhamos".
Ontem, o Ministério da Saúde informou que 50% da população do continente já recebeu, pelo menos, uma dose.
Caso de "desobediência"
A questão surge depois de, quarta e quinta-feira, o ACES Porto Oriental ter convidado os portuenses a partir dos 18 anos para uma espécie de "happy hour" - medida em vigor só acima dos 50 anos. O caso foi classificado como uma "desobediência" e "indisciplina" por Gouveia e Melo que o participou à Judiciária e exigiu "consequências". Ao fim do dia, a diretora demitiu-se.
Nem todas as pessoas, porém, conseguiram vacina. Uma mulher de 28 anos fala ao JN de "uma fila muito grande", sobretudo de jovens, no dia 23. Quem não foi imunizado recebeu senha para o dia seguinte. Mas, pelas 16.30 horas de dia 24, chegaram "ordens superiores" que proibiam vacinar abaixo dos 55 anos. "Perdi a esperança e vim embora". Mais sorte teve outra jovem, de 23 anos: "Fui das últimas e fui vacinada no dia 23, com marcação para a segunda dose". O JN não conseguiu chegar à fala com Dulce Pinto, diretora do ACES. Ernesto Santos, presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, disse que se limitou a colaborar com o ACES.