A prescrição de abusos sexuais aos 23 anos da vítima "não faz sentido", considerou, esta tarde, Maria João Fernandes, vice-presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) no Parlamento. Para a presidente da comissão, Rosário Farmhouse, a sociedade deve funcionar como um agente central de denúncia dos abusos sexuais de crianças e as famílias não devem ignorar qualquer indício que as possa pôr em risco. A presidente anunciou que está a ser desenvolvido um programa de formação em casas de acolhimento para técnicos e crianças perceberem os limites de uma relação e a melhor maneira de se defenderem.
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Para Maria João Fernandes, vice-presidente da CNPDPCJ, a prescrição dos crimes de abuso sexual aos 23 anos da vítima "não faz sentido". As crianças suportam "um grande sentimento de vergonha e culpabilização, vergonha de reportar. Não faz sentido que este crime estanque nos 23 anos", afirmou, ouvida na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Esta ideia acompanha a proposta da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa que recomendou que a prescrição dos crimes de abuso aumente para os 30 anos da vítima, tendo pedido à Assembleia da República a alteração da lei.
A audição decorreu a pedido dos deputados do PS e do PSD, precisamente na sequência das sugestões e recomendações do Relatório da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica.
Rosário Farmhouse considerou que os cidadãos devem desempenhar um papel importante na denúncia de abusos sexuais nas crianças. "Somos todos protetores das crianças, temos essa obrigação", afirmou, salientando que a sociedade está mais atenta ao problema.
Formar para prevenir abusos
Ainda durante a audição, a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Criança e Jovens revelou que estão a ser desenvolvidos, em conjunto com a Segurança Social, programas de formação para instituições de acolhimento dirigidas a crianças e técnicos. O objetivo é que conheçam os limites entre uma relação de "afeto" e o abuso sexual e para que possam encontrar "a melhor forma de se protegerem", até para evitar muitas vezes "abusos entre crianças" na mesma instituição.
"As crianças precisam de limite, mas precisam de afeto. A educação sexual faz falta, mas a educação dos afetos também. São fundamentais para uma relação equilibrada", acrescentou Rosário Farmhouse.
Apesar da importância da formação junto destas instituições, Rosário Farmhouse reconheceu que a maioria dos abusos acontece nas famílias, no "círculo de confiança das crianças", sendo ainda em muitos casos um problema "tabu". "Nem todas as famílias são protetoras, embora continuem a ser os melhores locais para as crianças serem educadas", afirmou. Sendo por isso muito importante o papel que os cidadãos podem desempenhar ao denunciar estes casos.
Com online, perigo dentro de casa agravou-se
Rosário Farmhouse salientou também que os abusos não ocorrem só quando existe "toque", considerando que a exposição das crianças aos conteúdos online incrementou a sua exposição a situações de perigo que "passaram a estar dentro de casa". Estas situações tornam-se mais difíceis de "combater" porque "entram por qualquer lado", afirmou.
Por fim, a presidente da comissão alertou que não se deve "normalizar" estas situações, nem retirar o papel de investigação da Polícia Judiciária. "Não somos nós a decidir se a criança tem razão ou não. Não somos nós que temos de esmiuçar. A PJ tem toda a experiência nessa matéria". "Comunicar, comunicar, comunicar e não ficar indiferentes perante as situações", finalizou.