
O ónus nas finanças camarárias é maior no Norte do que no Sul
Artur Machado / Global Imagens
Dispersão geográfica e desertificação penalizam custo do transporte escolar no Interior. Em 2017 e em 2018, investimento das câmaras foi superior a 128 milhões.
Os municípios estão a gastar mais dinheiro com o transporte escolar e, no próximo ano letivo, a fatura deverá agravar-se, caso haja necessidade de aumentar frequências e criar circuitos adicionais. Hoje, o esforço já é muito desigual no país e o ónus nas finanças camarárias é maior no Norte do que no Sul. As câmaras da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Tâmega gastam oito vezes mais do que as das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto para levar um aluno à escola.
A interioridade pesa no momento de garantir que a escolaridade chega aos jovens das povoações afastadas da sede dos concelhos. Alto Tâmega, Douro, Viseu Dão Lafões e Beira Baixa são as regiões que mais dinheiro despendem por estudante no transporte escolar.
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Despesa cresceu em 2018
Em 2018, as autarquias do Alto Tâmega pagaram 160 euros por aluno, enquanto, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, o custo não chegou aos 20 euros. Nas outras três CIM, os autarcas desembolsaram entre 80 e 100 euros por cada estudante, quatro a cinco vezes mais do que nas duas metrópoles.
A despesa, calculada pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), reflete os custos da falta de coesão do país, entendem os representantes das regiões. A AMT dá conta de que, em 2017 e em 2018, os municípios de todo o país gastaram mais de 183 milhões de euros no financiamento do serviço púbico de transporte regular de passageiros.
Deste bolo, 128,7 milhões (69,1%) foram para garantir o transporte escolar (passes e circuitos especiais) e, em 14 das 23 regiões, a despesa aumentou em 2018. Só baixou em três regiões: Tâmega e Sousa, Algarve e Beiras e Serra de Estrela.
Esforço no interior
Em termos absolutos, a Grande Lisboa é aquela que despende um montante mais elevado (cerca de oito milhões de euros) e apoia mais alunos. No Grande Porto, são seis milhões.
Mas o esforço financeiro é bem maior nas áreas territoriais com grande dispersão geográfica e populacional, marcadas pela desertificação.
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A CIM de Viseu Dão Lafões lembra que, nos territórios de baixa densidade, a "larga maioria das escolas encontra-se na sede dos concelhos. Em alguns circuitos", para ir buscar os alunos às povoações e levá-los às aulas, "são percorridos muitos quilómetros. O custo do transporte é fixo e, quanto menos alunos são transportados, mais elevado é o custo por ano".
"É o nosso drama", desabafa Fernando Queiroga, presidente da CIM do Alto Tâmega. É o preço a pagar pela avassaladora perda populacional, que tudo contamina. Sem gente, as escolas foram fechando e o serviço de transportes, garantido por privados, tornou-se cada vez mais deficitário.
Ida ao concelho vizinho
"Para assegurarmos algumas linhas, temos de pagar os passes dos alunos, o que fica muito mais caro. As frequências são muito espaçadas e há locais onde não circula um único autocarro. Temos de ir buscar os alunos com carrinhas da Câmara", sublinha o autarca.
O relato repete-se em Trás-os-Montes e na região da CIM de Coimbra, a maior do país e bastante heterogénea, "com muitos povoados e alguns desertificados. Para ir buscar uma ou duas crianças, é preciso desenhar um transporte especial", precisa Jorge Brito, secretário-executivo da comunidade.
Os circuitos são assegurados através da contratação de táxis e de carrinhas municipais e de instituições particulares de solidariedade social. "Na região, há municípios que não têm Ensino Secundário, como Góis e Penela. Os alunos têm de ser transportados para os concelhos vizinhos", frisa.
Artur Nunes, líder da CIM de Trás-os-Montes, tem a expectativa de que a reestruturação da rede de transportes em curso na região reduza o esforço das câmaras.
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Em 2018, pagaram 60 euros por aluno, três vezes mais do que Porto e Lisboa. A mudança estará no terreno no ano letivo de 2021/22. Até lá, não têm alternativa: "É nossa obrigação encontrar solução para todos os alunos, mas a contratação de circuitos especiais faz disparar o custo de transporte por aluno".
24% foi o aumento registado de 2017 para 2018 com a fatura municipal do serviço de transporte público regular. A despesa corrente total das câmaras só subiu 5% em igual período.
103 euros por residente é o valor despendido pela Câmara de Montalegre. É o município que mais dinheiro gasta por habitante com o serviço de transporte regular.
5,5 milhões de euros é o valor gasto em transporte escolar pelas câmaras da região de Coimbra. Só as duas áreas metropolitanas investem mais dinheiro.
Gasto com alunos
O peso do transporte escolar no total da despesa dos municípios com o serviço público de transporte é, em média, de 75%. No momento de subsidiar a mobilidade no concelho, o grosso do investimento das câmaras é feito nas viagens dos estudantes. Na região do Alto Minho, quase 100% do valor gasto em transportes vai para garantir que os alunos chegam à escola.
Menos no Alentejo
As câmaras do Alentejo Litoral e Central e do Alto Alentejo são as que menos dinheiro gastam, em termos absolutos, com o transporte escolar.
Fatura vai disparar com horários desfasados
Se o retorno às aulas presenciais obrigar a implementar horários desfasados na entrada e na saída das escolas, a fatura dos municípios com o transporte escolar vai disparar no próximo ano letivo, em particular no interior. As incógnitas ainda são muitas. Enquanto aguardam por instruções, as autarquias montam planos semelhantes aos anos anteriores, quando não havia a ameaça da covid-19.
Os responsáveis das comunidades intermunicipais (CIM) de Viseu, de Trás-os-Montes, de Coimbra e do Alto Tâmega são unânimes em considerar que as regras de distanciamento social e, sobretudo, a eventual necessidade de desdobramento de horários acarretarão custos acrescidos. Fernando Queiroga, líder da CIM do Alto Tâmega, receia que a já pesada fatura com o transporte escolar dispare para o "dobro", se colocarem grupos de alunos a entrar a horas diferentes nas escolas.
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Usar espaços vazios
No interior do país, não há autocarros a circular com a frequência das grandes cidades e obrigará a duplicar os circuitos especiais.
"Os autocarros começam a circular às 7.30 horas para ter os alunos às 9 horas nas escolas. Vamos levá-los de manhã e trazê-los à tarde. Neste momento, estamos a partir do princípio que os horários do próximo ano letivo serão os mesmos. Se não forem, teremos de reorganizar tudo", explica, propondo outra solução: aproveitar espaços vazios.
"Em Boticas, há salas desaproveitadas e é possível reorganizar os locais das aulas, para que os alunos venham todos à mesma hora. Outra situação a esclarecer é se teremos ou não mais professores. Ainda estamos à espera da definição do Ministério da Educação".
