Há dois deputados portugueses entre os “melhores amigos de Putin” (votaram contra todas as resoluções críticas para a Rússia). Fomos também tentar perceber que partidos resistiram melhor no passado às altas taxas de abstenção das europeias. E terminamos com os primeiros “resultados” destas eleições, nos Países Baixos.
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Há dias em que os acontecimentos em Portugal se sucedem a uma velocidade vertiginosa. Hoje foi um desses dias. Seja por causa da baixa de juros do BCE, pela primeira vez em oito anos. Seja pelo cruzamento entre política e justiça, à conta da condenação do ex-ministro socialista Manuel Pinho a dez anos de cadeia, por ter sido corrompido por Ricardo Salgado, o ex-dono disto tudo; ou à conta das buscas da PJ no âmbito do “caso das gémeas”, que levou à constituição como arguido do ex-secretário de Estado da Saúde socialista, Lacerda Sales, mas é sobretudo uma perigosa sombra a pairar sobre o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A campanha eleitoral foi contaminada por alguns destes acontecimentos, mas a verdade é que os protagonistas não são os mesmos. Passemos por isso a outros temas, com a certeza de que o leitor poderá seguir todos os assuntos elencados acima no seu JN.
Os comunistas e a Rússia
O Parlamento Europeu aprovou, nos últimos anos, várias resoluções críticas relativamente à Rússia. Antes e depois da invasão da Ucrânia, houve sempre largas maiorias a condenar a escalada militar russa, a reconhecer as fronteiras da Ucrânia, a apelar a sanções a Putin e aos seus oligarcas, a condenar o envenenamento do opositor russo Alexei Navalny, ou a denunciar as tentativas de interferência russa na União Europeia. Mas também houve algumas dezenas de deputados que se distinguiram por se recusarem a apoiar qualquer tipo de crítica ao regime de Putin. Com destaque para os dois deputados do PCP.
O site “politico.eu” foi analisar o voto de cada um dos deputados do Parlamento Europeu em 16 resoluções mais críticas para a Rússia. E descobriu quem são “os melhores amigos de Putin”. Em primeiro lugar, com direito ao prémio BFF (best friends forever), ficou a deputada da Letónia Tatiana Zdanoka (que não se recandidata): votou contra 15 das 16 resoluções e absteve-se apenas na resolução em que se condenava a repressão política na Rússia e se destacava Navalny e Kara-Murza.
Em segundo lugar nesta lista certamente pouco popular em vésperas de eleições, está a portuguesa e comunista Sandra Pereira, que votou contra 14 das 16 resoluções (não participou na votação de duas). Seguem-se dois comunistas gregos e uma irlandesa. E de novo um português, também do PCP: João Pimenta Lopes votou contra 12 das 16 resoluções (não participou na votação de quatro). Um e outro são agora, respetivamente, número dois e três na lista da CDU ao Parlamento Europeu.
Mais um dado relevante: entre os 30 deputados que mais vezes votaram contra as resoluções em que se criticava o regime russo, destacam-se duas famílias: a Esquerda Europeia (de que faz parte o PCP), com nove nomes na lista; e o grupo Identidade e Democracia (onde está filiado o Chega), com uma dúzia de nomes.
Que efeito terá a abstenção?
Por mais exercícios que se façam com os resultados eleitorais do passado, não é possível adivinhar o futuro. Assim sendo, o exercício que se segue, mais não faz do que ajudar a perceber que partido ou partidos foram menos prejudicados, no passado, com o alto nível de abstenção das europeias: 66% dos eleitores não foram votar em maio de 2014, 70% ficaram em casa em maio de 2019. Nas eleições legislativas mais próximas dessas europeias, a taxa de abstenção foi muito diferente: 44% em outubro de 2015, 51% em setembro de 2019.
(Só mais um alerta: se o leitor deste “Radar Europa” não aprecia textos com muitos números, faça “scroll” e passe diretamente para o próximo tema)
Voltando às contas, e começando pelos dois maiores partidos, deteta-se um padrão: a AD (ou a soma de PSD e CDS) revela maiores dificuldades do que o PS em mobilizar os eleitores quando está em causa o Parlamento Europeu. Em 2019, PSD e CDS conquistaram menos 44% dos votos que conseguiriam alguns meses mais tarde, nas legislativas (932 mil face aos 1,679 milões quando esteve em causa a Assembleia da República). No caso do PS, foram menos 42% (1,1 milhões face a 1,9 milhões). Mas a diferença foi ainda maior quando se compara as europeias de 2014 com as legislativas de 2015: o PS teve menos 41% dos votos em 2014 do que aquilo que amealhou em 2015, enquanto a AD teve menos 56%.
Há uma exceção à regra: o Livre
No que diz respeito aos dois partidos mais à Esquerda, resistem melhor à abstenção do que os dois maiores partidos, e a CDU melhor do que o BE às oscilações entre europeias e legislativas. Em 2019, os comunistas tiveram menos 31% dos votos nas europeias do que aquilo que conseguiram, alguns meses mais tarde, nas legislativas. No caso do BE foram menos 35%. Mas foi no binómio 2014/2015 que a diferença foi mais vincada: a CDU teve apenas menos 7% dos votos, o BE menos 73%.
Este exercício também é possível para o Chega e para a Iniciativa Liberal, mas a possibilidade de retirar conclusões é ainda mais frágil. Por duas razões: só se estrearam em 2019; e revelaram ser partidos com capacidade de crescer de eleição para eleição. Ainda assim, ficam as contas: o Chega teve nas europeias de 2019 (então com a designação Basta) menos 27% dos votos que conseguiu depois nas legislativas. Quanto aos liberais, tiveram menos 57%.
Vale a pena notar que há um partido que, em ambas os casos, foi a exceção que confirma a regra, ou seja, teve sempre mais votos em europeias do que nas legislativas subsequentes. Foi assim em 2019 (mais 6% de votos), mas ainda mais em 2014/2015 (mais 82% de votos nas europeias do que depois nas legislativas).
As três eleições dos belgas
Regionais, federais e europeias. São três as eleições deste fim de semana na Bélgica. O voto é obrigatório, pelo que está sempre assegurada uma participação elevada (em 2019, foi de 88%). Este ano há uma outra novidade: o voto passa a ser possível a partir dos 16 anos (o mesmo acontece na Alemanha, na Áustria e em Malta).
Esta foi a parte do processo eleitoral belga fácil de explicar. As coisas complicam-se quando se tenta decifrar quem são os favoritos no seu complexo puzzle partidário. Que resulta do facto de haver três regiões muito distintas dentro de Estado federal: a Flandres (a parte norte, de língua flamenga), a Valónia (a parte sul, de língua francesa), e Bruxelas, a capital do país e, na verdade, também da União Europeia.
A fragmentação partidária é tão elevada que o partido que segue em primeiro lugar nas sondagens a nível nacional, de acordo com a Europe Elects, tem uns “escassos” 15%. O Vlaams Belang (Interesse Flamengo) é um partido da direita radical populista integrado do Identidade e Democracia (ID, o mesmo do Chega).
O segundo a nível nacional é a Nova Aliança Flamenga, outro partido da direita radical populista, mas integrado no grupo do Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), com 12%, a mesma percentagem do Partido dos Trabalhadores (que tem uma versão flamenga, o PVDA, e uma versão francesa, o PTB), que integra o grupo da Esquerda Europeia (onde estão o PCP e o BE). Nenhum destes três partidos faz parte da atual coligação de Governo belga.
Ao todo, aponta-se para 11 partidos com possibilidade de eleger deputados no Parlamento belga, sendo que, por exemplo os liberais democratas flamengos do primeiro-ministro Alexander de Croo têm apenas 5%. Mas no caso da Bélgica, e dadas as grandes diferenças linguísticas, sociais, culturais e políticas entre as três grandes regiões, talvez faça mais sentido perceber quem são os favoritos em cada uma delas.
Flandres, feudo da Direita radical
Na Flandres, o Interesse Flamengo surge em primeiro (28%), seguido da Nova Aliança Flamenga (21%), o que significa que a direita radical populista soma praticamente metade das intenções de voto. Em terceiro estão os sociais-democratas do Avançar (13%) e logo a seguir os Cristãos-Democratas Flamengos (12%).
Na Valónia, o cenário é completamente diferente: em primeiro lugar nas sondagens está o Partido Socialista (24%), seguindo-se os liberais do Movimento Reformista (20%), depois “Os Comprometidos” (17%), que integram a família do Partido Popular Europeu, e o Partidos dos Trabalhadores (15%).
Finalmente, em Bruxelas, a liderança nas sondagens vai para o Movimento Reformista (24%), seguido do Partidos dos Trabalhadores (18%), o Partido Socialista (15%), e o Ecolo (13%), o partido ambientalista de língua francesa (porque também há os Groen flamengos, que concorrem em separado, no que é um dos vários exemplos da linha sectária que divide as duas comunidades, flamengos e valões).
O custo milionário de deixar a UE
Preocupada com a força revelada nas sondagens pela Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido de direita radical populista que defende a saída da União Europeia, a comunidade empresarial mobiliza-se para lembrar as vantagens da pertença à UE, em vésperas de eleições. Argumento central: o “Dexit” (acrónimo inspitado no “Brexit”) custaria à economia alemã cerca de 200 mi milhões de euros por ano, ou 2500 euros per capita (por habitante).
De acordo com um estudo conduzido por economistas do INSM, um “think tank” cuja causa é o mercado livre, a Alemanha beneficiou mais da adesão à UE do que qualquer outro país, incluindo França, Itália ou Espanha. Dito de outra forma: a contribuição anual líquida dos contribuintes alemães para o financiamento da UE é inferior a um décimo dos tais 200 mil milhões de euros.
Recorde-se que Alice Weidel, líder da AfD, propôs, no início do ano, em entrevista ao jornal “Finantial Times”, a realização de um referendo sobre a adesão à UE na Alemanha, elogiando a votação que conduziu ao “Brexit”, em 2016. No agregador de sondagens do site “polico.eu”, a Afd segue com 16% das intenções de voto, os mesmo que o SPD (sociais-democratas), que lideram o Governo nacional. Na frente segue a CDU/CSU (democratas-cristão de centro-direita), com 30%. Os dois outros partidos que formam a coligação governamental estão um pouco mais para baixo: Verdes com 13% e liberais do FDP com 5%. Há ainda dois partidos à Esquerda a ter em conta: o BSW (o movimento criado em nome próprio por Sahra Wagenknect) com 7% e o Die Linke (A Esquerda) com 3%.
No mês passado já tinha havido um comunicado conjunto de 30 grandes empresas alemãs, incluindo a BMW (automóveis), a BASF (setor químico) e Deutsche Bank (banca) em que se alertava para a ameaça que representam para a prosperidade da Alemanha “a exclusão, o extremismo e o populismo”.
Surpresa nos Países Baixos
Os resultados oficiais só serão conhecidos às 22,15 horas de domingo, mas o neerlandeses já votaram e já saíram as primeiras sondagens à boca das urnas. E há uma surpresa que é, simultaneamente uma má notícia para a direita radical populista: o Partido da Liberdade de Geert Wilders (que integra o grupo Identidade e Democracia, o mesmo que o Chega), o favorito das sondagens pré-eleitorais, deverá ficar, afinal, em segundo lugar, elegendo sete deputados para o Parlamento Europeu.
Em primeiro lugar, de acordo com a mesma sondagem à bca das urnas, ficará afinal a coligação entre os verdes e os sociais-democratas, que deverão eleger oito deputados. Os liberais de direita, que recentemente aceitaram fazer uma coligação de Governo com a direita radical populista, deverão conseguir quatro lugares, enquanto os cristão-democratas e os liberais de esquerda ficarão com três. O movimento que representa o mundo rural consegue dois deputados nesta projeção, havendo ainda mais quatro partidos com um deputado para cada um.