Beleza é o que menos importa. Carisma ou dom da palavra podem ajudar, mas não são tudo. Quem se bate pelas nossas causas e defende os mesmos valores, é quem também merece o nosso crédito. As figuras públicas que arrebatam a nossa confiança aos olhos dos especialistas.
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Ligar o rádio no carro, almoçar ao som do televisor, aproveitar os tempos mortos para espreitar o que corre na Internet e nas redes sociais. Chegar, por fim, ao cair da noite com a cabeça já no dia seguinte. Nas últimas 24 horas, quantas vozes saídas do espaço mediático entraram na sua privacidade? Calcular o número certo é complicado e a pergunta porventura mais interessante até será: quantas delas captaram a sua atenção? "No mar de desconhecidos, no qual estamos rodeados, é impossível ouvir todos", avisa Edson Athayde, o CEO e diretor criativo da agência de publicidade FCB Lisboa.
Não é qualquer figura pública que nos inspira confiança ao ponto de suspendermos o ruído para escutar o que tem a dizer. Se para uns é Cristina Ferreira, para outros será Ricardo Araújo Pereira, e para outros ainda Catarina Furtado. São exemplos, entre os mais evidentes, todos diferentes entre si, mas com algo em comum: "Angariaram admiração, estima e empatia, fortalecendo os laços de confiança com o seu público", resume Salvador da Cunha, CEO da consultora de comunicação Lift.
Mil e um talentos terão contribuído para ocuparem esse estatuto - do carisma ao humor, passando pelo dom da palavra ou simplesmente por uma boa impressão. Mas nenhum atributo valerá nada se, para lá dos holofotes, estiver um marinheiro a navegar ao sabor das marés. "Discurso e ações coerentes com princípios e valores próprios da sua filosofia de vida é que constroem a credibilidade de uma figura pública", defende o psicólogo Jaime Ferreira da Silva.
São dois aspetos "determinantes", mas só convencem o seu público se forem consistentes ao longo do tempo, adverte o também psicoterapeuta e coach de executivos. Embora a confiança seja um julgamento emotivo, ela será sempre influenciada pela nossa "dimensão racional", esclarece Salvador da Cunha. Ainda antes de seguirmos o coração, há uma avaliação com base naquilo que a figura mediática representa. E também bandeiras com mais crédito do que outras - sustentabilidade ambiental, inclusão social, igualdade de géneros, antirracismo ou outros "temas fraturantes" que se tornaram emergentes.
Respeito e afeto estão intimamente ligados aos valores com os quais cada um se identifica. "São os tais preconceitos cognitivos, usando a linguagem técnica, e que se cristalizaram ao longo da nossa vida", argumenta. Esse é o ponto nevrálgico a ditar não só quem merece a nossa confiança, como a afastar igualmente quem vai contra as nossas crenças: "A lógica não anda muito longe dos princípios usados nos algoritmos que, com os nossos padrões de navegação, aprendem a filtrar o que queremos ver e a excluir o que não nos interessa na Internet e nas redes sociais". Seguimos, por isso, os que se batem pelas nossas causas. E quanto maior for esse compromisso, maior será também a empatia pela figura pública. "Não será por acaso a estima de muita gente por Isabel Jonet [presidente do Banco Alimentar Contra a Fome], que nunca ganhou um tostão com o que faz", exemplifica o CEO da Lift Consulting.
Por muita estima e confiança conquistada, a sua popularidade está a milhas de distância da época dourada. Já lá vão os anos de 1940 e de 1950, em que a influência das figuras públicas atingiu o auge, chegando a ser mais poderosa do que a dos próprios media. Bastava-lhes estalar os dedos e toda a gente imitava penteados, gestos e manias. "A preponderância foi-se dissipando, não só pelas mudanças sociais que se seguiram, como pela relação que o público passou a ter com os media", conta Gil Batista Ferreira, especialista em Ciências da Comunicação e investigador na área dos novos media.
Na última década e meia, foram as redes sociais a ganhar terreno, fazendo emergir os influenciadores digitais, que agora são "mais confiáveis" do que as figuras públicas da televisão. O palco mudou e os atores também, mas essa passagem não acontece de igual modo para todos, ressalva o professor do Instituto Politécnico de Coimbra: "Começou com a geração dos millennials, que, entretanto, cresceu e continuou a privilegiar as plataformas digitais".
É um mundo paralelo que não se cruza com os media convencionais, diz o psicólogo Jaime Ferreira da Silva. No Instagram ou no YouTube, estão os influenciadores "completamente desconhecidos" para os maiores de 40, mas "muito populares" entre os jovens e adolescentes: "Ouvi, há uns tempos, o sociólogo Pedro Adão e Silva - que é comentador na televisão, na rádio e ainda cronista na imprensa - dizer que os seus alunos de 20 anos não fazem a mínima ideia de que ele é alguém com presença regular nos meios de comunicação social".
A desconfiança dos Millennials
As gerações mais novas não ligam a televisão ou sequer a rádio, concorda Salvador da Cunha. Pelo menos no sentido tradicional. "Eles escolhem no iPad ou no portátil os programas e veem quando querem e não quando são transmitidos, ligam-se à Netflix e procuram as séries." São formas diferentes de chegar à informação - conclui o especialista -, mas também um reflexo da "desconfiança" face às elites e, principalmente, aos media convencionais, vistos agora como "enredados" em interesses políticos ou económicos. "Do outro lado, estão as redes sociais, reconhecidas como plataformas livres, genuínas e, como tal, mais confiáveis", acrescenta Gil Ferreira.
O digital é o espaço sem mediação e onde os influenciadores são pessoas comuns com as quais o público se identifica. Têm problemas iguais, a mesma condição social, mas um conhecimento específico em determinada área: "Eles distinguem-se das figuras públicas, que falam de tudo e de forma paga - aspeto, aliás, que lhes retira credibilidade".
O volte-face dos media
O poder das redes sociais cresceu e tornou-se tema quente da atualidade, com boa parte dos especialistas a alertar para os "perigos" de manipulação, enganos e extremar de posições. "Nunca como agora o jornalismo de qualidade foi tão importante para dissipar a confusão entre factos e opiniões", observa Jaime Ferreira da Silva.
Será preciso esperar para ver o que acontece, mas Gil Ferreira vislumbra sinais de inversão no horizonte: "Se, na primeira metade da década passada, as redes sociais eram valorizadas como espaços de autenticidade, os dados mostram que, a partir de 2015/2016, surge uma perceção generalizada de que também veiculam informações não credíveis e as chamadas notícias falsas". E este poderá ser um "prenúncio" para um volte-face dos medias convencionais com as figuras públicas a aproveitar a boleia desta possível recuperação.
O que poderá não ter retorno é o impacto da Internet na imagem das figuras públicas que transferiram para as redes sociais o estatuto e a notoriedade conquistados nos medias convencionais. "A confiança passou a ser mais volátil", admite o publicitário Edson Athayde. Se antes havia a televisão, o cinema e pouco mais, hoje o Instagram, o Twitter ou o Facebook, com milhares de seguidores, "amplificaram o palco", tornando difícil traçar a linha entre público e privado. "Há mais perigo agora de a reputação ficar contaminada por aspetos da vida pessoal."
Gerir a exposição e o desgaste passou, por isso, a ser um desafio muito maior. "Esse capital de confiança e credibilidade tornou-se como um ativo da Bolsa, em que, nuns dias, a cotação está em alta e, noutros, em baixa", compara o CEO da agência FCB Lisboa. Não é por acaso que as agências de publicidade precisam de atualizar o seu catálogo de personalidades com regularidade. A Marktest Consulting publica, aliás, o anuário das "Figuras Públicas e Digital Influencers" para o mercado das marcas planear campanhas.
O inquérito, realizado todos os anos, dá a conhecer a imagem que os portugueses têm das figuras públicas nacionais e a opinião sobre as suas principais características. No estudo mais recente, feito em maio de 2020, é Cristina Ferreira a liderar os rankings de "Honestidade" e de "Credibilidade". Catarina Furtado aparece logo a seguir como a mais credível, enquanto Manuel Luís Goucha ocupa o segundo lugar na tabela dos honestos. Ficámos a saber também que Ricardo Araújo Pereira é o que gera mais empatia, que Vasco Palmeirim tem mais sucesso entre as mulheres e Filomena Cautela atrai o público mais jovem.
Cada estrela na sua galáxia
A influência poderá até cruzar-se em vários tabuleiros, mas, regra geral, cada figura tem o seu púlpito privilegiado. Apesar do desgaste com a transferência conturbada da SIC para a TVI, Cristina Ferreira "mantém-se no top" das celebridades, diz Salvador da Cunha.
Dependendo das "áreas de especialidade", há mais estrelas a brilhar noutras galáxias: "Cristiano Ronaldo nos desportos, Horta Osório nos banqueiros, António Mexia nos gestores, José Alberto Carvalho, Rodrigo Guedes de Carvalho, Clara de Sousa ou Ricardo Costa entre os pivôs de informação".
São caras reconhecidas como credíveis nas suas áreas, embora, no universo das marcas, a confiança nelas depositada nem sequer seja o mais relevante, considera Edson Athayde. Toda a gente sabe que ninguém promove nada de borla. O importante, como tal, é "captar atenção" com cada um a mostrar o que vale para atrair os públicos feminino ou masculino, mais novo ou mais velho, mais ou menos conservador: "A empatia que a figura suscita é uma parte da estratégia, a outra é a campanha de publicidade planeada à volta da marca". Há quem venda melhor produtos financeiros e quem esteja em vantagem para nos convencer da extrema utilidade que iogurtes, perfumes, automóveis ou eletrodomésticos têm na nossa vida.
Por fim, restam as figuras tão famosas que convencem todos. "Cristiano Ronaldo, José Mourinho, Ricardo Araújo Pereira ou Catarina Furtado, entre as mulheres", enumera o CEO da FCB Lisboa. Seja pelo percurso profissional, pelo filantropismo, pelo carisma ou pela notoriedade internacional, atingiram a estratosfera: "Aqui, como noutros países, não são muitas e podem ir mudando de tempos em tempos". Mas, enquanto estão sentados no trono, serão capazes de vender qualquer coisa a qualquer preço. E, por isso, valem ouro.