Associado ao ginásio, suplemento mostra benefícios clínicos e de bem-estar: mais força, melhor cognição e apoio à saúde ao longo da vida.
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Durante anos associada quase exclusivamente a culturistas e frequentadores assíduos de ginásios, a creatina conquistou um papel muito mais alargado no campo da saúde e do bem-estar. O que antes era visto como um aliado quase exclusivo da performance desportiva é hoje considerado um suplemento com potencial terapêutico em diferentes fases da vida e em várias condições clínicas. Catarina Santos, médica de família com pós-graduação em Medicina Estética e diretora clínica da Clínica Metamorfose, em Odivelas, sublinha que este é "o suplemento mais estudado de sempre" e, por isso, também um dos mais seguros.
A creatina é uma substância produzida naturalmente pelo organismo e armazenada sobretudo nos músculos (cerca de 95%), mas também no cérebro (5%). "Funciona como um depósito de energia celular rápida", explica. Daí a sua relevância tanto em esforço físico como em desempenho cognitivo. O organismo recorre a ela sempre que precisa de regenerar o ATP - a molécula que fornece energia imediata às células. Este mecanismo ajuda a explicar porque pode ser útil em treinos intensos, mas também em tarefas que exigem grande concentração mental.
Não é apenas uma questão de rendimento desportivo. A creatina tem vindo a ser estudada em situações de sarcopenia - a perda de massa muscular associada ao envelhecimento -, em idosos frágeis com risco de quedas e até em doenças neurológicas, como Parkinson ou sequelas de traumatismos cranianos. Estudos recentes sugerem ainda um papel adjuvante em depressão ou fadiga crónica, funcionando como um verdadeiro "tónico cerebral".
Ao contrário do que se pensa, a creatina não serve apenas para "inchar" músculos. "Pode melhorar a recuperação, a força, a energia e até a motivação para o treino", nota Catarina Santos. Mas a sua utilidade vai muito além do ginásio. Em mulheres com lipedema, a suplementação tem mostrado impacto positivo na redução da fadiga e na capacidade de construção de massa muscular, o que contribui para um metabolismo mais eficiente.
A forma mais estudada e eficaz é a creatina mono-hidratada, normalmente na dose de três a cinco gramas por dia. Não é necessário fazer ciclos ou fases de carga: a regularidade é o que garante os resultados. Recomenda-se tomá-la com refeições que contenham proteína ou hidratos de carbono, pois a insulina facilita a sua absorção. Um cuidado essencial é reforçar a ingestão de água, já que a creatina atrai líquidos para dentro das células musculares.
De acordo com a médica, a creatina é segura em pessoas saudáveis. As contraindicações surgem sobretudo em casos de doença renal ou hepática grave, razão pela qual se aconselha sempre uma avaliação médica antes de iniciar a suplementação. Além disso, quem a toma deve informar o médico, já que pode alterar ligeiramente alguns parâmetros nas análises clínicas, como a creatinina.
Apesar da crescente popularidade, a creatina não é apenas uma tendência. Catarina Santos lembra que "já era usada em contexto clínico e hospitalar há mais de 20 anos. Hoje, com foco na longevidade e no bem-estar, ganhou nova visibilidade". Ainda assim, alerta: não é uma panaceia universal. Pode trazer benefícios concretos em determinados contextos - do desporto à fragilidade associada à idade - mas deve ser usada de forma responsável e informada.
Especialistas explicam
Beatriz Vieira, coordenadora de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Amadora, reforça que "a creatina mono-hidratada é tradicionalmente conhecida pelos seus efeitos no contexto desportivo, mas a evidência científica mais recente mostra que os seus benefícios vão muito além do desempenho físico". No envelhecimento, sobretudo quando associada a treino de resistência, favorece ganhos de força e ajuda a preservar massa muscular, reduzindo o risco de quedas. Em situações de restrição energética e perda de peso, pode ainda proteger a massa magra, facilitando a gestão do excesso de peso. Paralelamente, alguns estudos sugerem um papel na regulação da glicemia.
Ao nível da saúde cardiovascular, a creatina parece apoiar a função metabólica do coração, particularmente em contextos de isquemia. No que diz respeito à função cerebral e cognitiva, a suplementação tem mostrado efeitos neuroprotetores. Em adultos saudáveis, revisões sistemáticas e meta-análises recentes apontam para melhorias na memória, atenção e velocidade de processamento. No contexto da sarcopenia, quando combinada com treino de resistência, ajuda a preservar o músculo, melhorar a força e reduzir o risco de quedas. Quanto à segurança, "em doses habituais de três a cinco g/dia, a creatina mono-hidratada é considerada segura em adultos saudáveis", acrescenta a nutricionista. Os efeitos adversos mais comuns são ligeiros, como desconforto gastrointestinal ou aumento de peso por retenção de água.
João Bravo, naturopata especializado na área da nutrição por patologia, complementa: "Muitas pessoas associam a creatina apenas ao aumento de massa muscular e ao desempenho desportivo, mas a sua função vai muito além disso. Atua como uma espécie de reserva rápida de energia, ajudando as células a regenerar o ATP. Assim, tanto o músculo como o cérebro beneficiam diretamente desta disponibilidade energética." Como nota, os efeitos positivos não se limitam ao exercício físico, sendo também úteis para quem enfrenta grande carga mental ou dificuldades de concentração, pois a creatina "ajuda a reduzir a fadiga e estabiliza os níveis de energia cerebral, sendo útil em situações de maior exigência mental".
Para efeitos cognitivos e de bem-estar, a dose habitual situa-se entre três a dez (principalmente em idosos) gramas por dia, semelhante à recomendada para desporto. A forma mais estudada e recomendada continua a ser a creatina mono-hidratada, considerada segura, eficaz e acessível. Pode ser ingerida em pó ou cápsulas, sem diferenças relevantes na eficácia, e quando tomada com uma refeição que contenha hidratos de carbono, a absorção é ligeiramente otimizada. Incorporá-la na rotina é simples: basta misturá-la em água, sumo ou batidos, logo de manhã ou após uma refeição. O mais importante é a consistência diária, pois a creatina atua por acumulação no organismo, garantindo efeitos contínuos tanto no desempenho físico como na energia mental.
Ana Teixeira, de 49 anos, começou a suplementação não por prática desportiva, mas para melhorar o bem-estar e funções cognitivas. "Comecei a tomar creatina por recomendação profissional. Não procurava ganhar massa muscular, mas sim encontrar uma forma natural de melhorar a minha energia mental e lidar melhor com o cansaço que sentia no dia a dia", justifica. Ao fim de algumas semanas, notou mais clareza mental, maior capacidade de concentração e resistência ao stress. "A fadiga deixou de ser tão intensa e passei a ter mais disposição para as minhas tarefas", diz.
Já Regina Rodrigues, de 28 anos, começou a tomar com o objetivo de otimizar os seus treinos, especialmente a musculação. "Como tenho uma rotina de trabalho muito intensa, de 10 a 12 horas por dia, sabia que o meu corpo precisava de uma ajuda extra para recuperar melhor e tirar mais proveito do esforço que faço no ginásio. Depois de ler bastante e perceber que a creatina é um dos suplementos mais estudados e seguros, decidi experimentar", partilha. Tal como Ana, reforçou o consumo de água e não registou efeitos secundários.